Coordenado pela Unifesp e com apoio da Fapesp, inquérito testou 120 mil pessoas em 133 municípios entre janeiro e abril; na média, 15% dos brasileiros tinham anticorpos contra o SARS-CoV-2

No primeiro ano de pandemia de Covid-19, o novo coronavírus se espalhou de forma distinta entre as diversas regiões do país. No final de abril de 2021, com a curva de contágio em ascensão, na média, 15% dos brasileiros testados no âmbito do inquérito EPICOVID-19 BR 2 tinham anticorpos contra o SARS-CoV-2. O levantamento foi coordenado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Os índices de soropositividade, no entanto, variaram de 9,89% no Ceará a 31,4% no Amazonas, estado com a maior soroprevalência do Brasil. O inquérito testou 120 mil pessoas em 133 municípios de todo o país entre os dias 25 de janeiro e 24 de abril de 2021.

“A maioria das pessoas da amostra ainda não havia sido vacinada, já que os testes se concentraram entre janeiro e meados de fevereiro, quando o Programa Nacional de Imunização (PNI) estava iniciando. Menos de 1% das pessoas testadas afirmou ter recebido vacinas e praticamente nenhuma delas havia recebido as duas doses”, explica Marcelo Burattini, pesquisador da Unifesp e coordenador do inquérito. O levantamento, portanto, não fez distinção entre vacinados e não vacinados.

O estudo também revelou índices diversos dentro de cada uma das regiões. No Sudeste, por exemplo, 19,57% da população do Rio de Janeiro tinha anticorpos contra o coronavírus, percentual semelhante aos 18,73% registrados no Espírito Santo, mas superior à soropositividade média dos paulistas, de 13%.

Foram registradas, ainda, variações entre municípios do mesmo estado. Em São Paulo, a soroprevalência média em Sorocaba e Bauru foi de 9%; a de Marília, 20% e a de cidades como São José do Rio Preto, Araçatuba, Ribeirão Preto e São José dos Campos, variou entre 13% e 15%.

“Esses resultados mostram que há muita variação espacial na epidemia. Temos várias epidemias e não apenas uma no Brasil. Essa variação se estende por todo o país e será um dos objetos de estudo mais detalhado deste projeto”, adianta Burattini.

Em Araraquara, por exemplo, 258 pessoas foram testadas entre janeiro e meados de fevereiro e o índice de soroprevalência foi baixo, de 4%. Alguns dias depois, entre 21 de fevereiro e 2 de março, a cidade decretou lockdown para conter uma explosão de casos e reduzir a superlotação de unidades de terapia intensiva (UTIs).

“O inquérito registrou um rendimento amostral muito baixo. Poderia explicar parcialmente a explosão de casos verificada posteriormente, mas ainda não podemos afirmar categoricamente”, ele ressalva.

Os resultados preliminares do inquérito, segundo Burattini, sugerem que soroprevalência registrada é significativamente menor do que as previsões até então divulgadas sobre a proporção de casos assintomáticos faria supor. “Quando tivermos concluído a análise das 133 cidades, comparando os dados desse inquérito com a ocorrência notificada de Covid-19, teremos importantes subsídios para direcionar medidas públicas. Isso provavelmente vai levar a uma nova compreensão da dinâmica da doença e sua ocorrência em nosso meio”, afirma o pesquisador da Unifesp.

O EPICOVID-19 BR 2 teve como objetivo estimar o percentual de brasileiros infectados com o SARS-CoV-2 por idade, gênero, condição econômica, município e região geográfica; determinar o percentual de assintomáticos; avaliar sintomas e morbiletalidade, além de oferecer subsídio para políticas públicas e avaliação do alcance e impacto das medidas de isolamento social, sejam de lockdown ou de distanciamento social com medidas de proteção, como o uso de máscaras. Além da soroprevalência, as demais variáveis do inquérito ainda estão sob análise, em razão do número de pacientes envolvidos na amostra, afirma o coordenador do inquérito.

Estudos complementares

O estudo EPICOVID 19-BR-2 complementa as informações coletadas em outro inquérito, o EPICOVID-19 BR, realizado em quatro fases pela equipe do programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), coordenada por Pedro Hallal. As três primeiras fases tiveram o apoio do Ministério da Saúde e, a quarta, da iniciativa Todos pela Saúde, do Itaú Unibanco.

Na primeira fase, realizada entre 14 e 21 de maio de 2020, a soroprevalência no Brasil era de 2,9%. Na segunda, entre 4 e 7 de junho de 2020, a média cresceu para 4,6%, mantendo-se estável na terceira, realizada 21 e 24 de junho, e, no quarto inquérito, entre 27 e 30 de agosto de 2020, prevalência foi de apenas 1,2%.

“A discrepância da fase 4 em relação às demais ainda está sendo investigada”, explica Burattini, que também participou dos primeiros inquéritos.

“O EPICOVID 19-BR-2 é um estudo independente, que se relaciona com o inquérito anterior por ter utilizado a mesma base geográfica e metodologia amostral semelhante”, sublinha o pesquisador.

Nas quatro fases da pesquisa coordenada pela UFPEL, os dados foram coletados em 133 municípios, 25 setores censitários, com dez domicílios sorteados por setor e um morador sorteado por domicílio, totalizando 33.250 participantes em cada inquérito.

“Em todas essas fases, para detecção de anticorpos para o SARS-CoV-2, foi utilizado o teste sorológico rápido de fluxo lateral, baseado em amostra de sangue obtida por punção digital”, explica Burattini.

No projeto EPICOVID-19-BR-2, o estudo foi realizado nos mesmos municípios e setores censitários, tendo sido sorteados oito domicílios por setor por restrições orçamentárias, com planejamento de 1.000 pacientes amostrados por município.

“Diferentemente dos primeiros quatro inquéritos, todos os moradores dos domicílios sorteados participaram do estudo, o que multiplicou o número de pessoas testadas, de cerca de 33 mil para mais de 133 mil”, explica.

Outra diferença fundamental foi que, nesta última fase, o teste rápido foi substituído por punção venosa para a coleta de sangue analisado em exames sorológicos para pesquisa de anticorpos totais por eletroquimioluminescência (EQMIA), diz Burattini.

“Os próximos passos envolvem a análise completa do material obtido e a publicação dos resultados, o que deve ocorrer ao longo dos próximos meses”, conclui.

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