A falta de informação, até durante e pós o pré-Natal, acaba levando muitos pais ao desespero e escolhas equivocadas. Segundo o cardiologista, Dr. Leonardo Jorge Cordeiro, 20% desses problemas não têm indicação cirúrgica, enquanto 80% dos casos terão que se submeter ao procedimento em algum momento da vida

A chegada de um bebê é sempre motivo de alegria e de motivação para a família. A partir de um teste de gravidez positivo, parece que a vida já começa a mudar e de forma muito rápida. As consultas ao obstetra passam a ser rotina, assim como os exames para saber se tudo corre bem na gestação, porém, nem sempre as notícias são positivas e, algumas delas, podem até deixar os pais sem chão. Uma delas é a cardiopatia congênita. Recentemente, a filha do ator Juliano Cazarré foi diagnosticada com cardiopatia congênita rara.

O que se sabe é que doenças crônicas maternas, como o diabete melito e o lúpus eritematoso sistêmico, assim como a infecção por Rubéola, podem afetar o desenvolvimento do coração, assim como alguns anticonvulsivantes, drogas ilícitas, gravidez gemelar e a fertilização in vitro. Além dessas condições, histórico de cardiopatia congênita prévia, ou em parentes de primeiro grau, também apresentam incidência aumentada de alterações cardíacas fetais. De primeiro instante, a notícia pode soar de forma bem negativa, assustadora, um problema sem saída, mas o acesso à informação ainda continua sendo o principal aliado nessa jornada de cuidados e acompanhamento.

Para tirar dúvidas sobre esse tema, tratamentos possíveis, como o problema surge, se é hereditário, o cardiologista, Dr. Leonardo Jorge Cordeiro de Paula, diretor acadêmico da Escola Brasileira de Medicina (EBRAMED), especialista em Gestão de Saúde e Educação, e atualmente médico clínico pelo Incor – Instituto do Coração, esclarece as principais dúvidas.

O que é cardiopatia congênita? Existem graus?

Conceitualmente, a cardiopatia congênita é uma malformação ou incompleta formação do coração e do sistema circulatório, momento este que ocorre nas primeiras oito semanas de gestação, fase no qual temos o desenvolvimento embrionário cardíaco. Dado a complexidade do sistema cardiocirculatório, as alterações podem ser as mais diversas, pois podem se dar pela formação errática ou mesmo não desenvolvimento tanto de cavidades do coração, como problemas nas válvulas, veias e artérias relacionados com o coração. E a partir dessas diferenças de problemas, que dividimos as cardiopatias congênitas em cianóticas e acianóticas.

Explicando resumidamente, cianose é quando a saturação de oxigênio do sangue está abaixo de 90%, sendo que normalmente saturamos entre 96-99%, pois todo o nosso sangue venoso passa pelos pulmões para receber oxigênio e volta para as artérias bem saturados de oxigênio. As cardiopatias acianogênicas não cursam com a queda expressiva da saturação de oxigênio, o que mostra que a maior parte, ou totalidade do sangue venoso, passam pelos pulmões para oxigenação, diferente das condições cianogênicas.

Temos vários tipos de cardiopatia, assim como diferentes graus de gravidade. Isso implica tanto em diferentes tratamentos, como diferentes cirurgias para correção e diferentes momentos corretos para realização de procedimentos.

Quais os exames conseguem identificar essa anormalidade?

A forma adequada de se proceder o diagnóstico de uma cardiopatia congênita é por meio da realização de um ecocardiograma transtorácico, com doppler colorido, preferencialmente por um médico especializado em patologias congênitas. Idealmente que seja realizado ainda durante a gestação pois o diagnóstico pode ter sido feito de forma muito precoce com a realização de um ecocardiograma intrauterino, ou seja, quando o bebê ainda está no útero.

Importante lembrar que, por volta de 20 semanas de gravidez, o coração já está com a formação completa, época na qual o ultrassom morfológico é feito rotineiramente pelo pré-natal. E é por esse motivo que sociedades ligadas à obstetrícia e cardiologia pediátrica e congênita são favoráveis a realização de ecocardiograma fetal (intraútero) de forma mais habitual ou mesmo rotineira nas gestações em geral, mesmo quando não há uma suspeita forte de problemas cardíacos durante o ultrassom morfológico rotineiro.

E as cardiopatias congênitas não são incomuns, pois as estatísticas mostras que, uma em cada 100 crianças, nasce com algum tipo de cardiopatia, podendo ser menos complexa ou muito complexa e grave. E quanto mais cedo o diagnóstico, melhor é a realização de uma programação, tanto para um bom desenvolvimento intrauterino, como local e mecanismo de parto, assim como agendamento cirúrgico se for necessário em curto espaço de tempo após o nascimento.

 

Cabe também ressaltar o papel fundamental do pediatra que presta os primeiros cuidados e seguimento do recém-nascido ainda não diagnosticado, pois o exame físico sempre é fundamental e soberano. É possível identificar alterações de ausculta cardíaca, assim como sopros e mesmo cianose periférica, levando ao pediatra a pedir rapidamente um ecocardiograma transtorácico do bebê para realização do diagnóstico definitivo e consequente direcionamento para um tratamento adequado.

A pessoa já nasce com isso ou ela pode adquirir com o tempo?

As cardiopatias congênitas possuem este nome exatamente por ocorrer na vida intrauterina, inclusive, como dito anteriormente, por problemas no desenvolvimento cardíaco que se dá nas primeiras oito semanas de gestação. Qualquer doença cardíaca que seja diagnosticada mais tardiamente, e não tenha relação com o desenvolvimento embrionário do coração, recebe o nome de cardiopatia adquirida, devendo ser tratada conforme protocolos clínicos publicados e validados pelas sociedades médicas.

Existe algo que pode ser feito para evitar o problema?

Não existe um fator causal associado ao desenvolvimento de uma cardiopatia congênita, não havendo, portanto, uma forma efetiva para evitar que a condição ocorra. Mas, sabemos sim de fatores que aumentam a chance de problemas de desenvolvimento cardíaco ocorrer. Doenças crônicas maternas, como o diabete melito e o lúpus eritematoso sistêmico, assim como a infecção por Rubéola, podem afetar o desenvolvimento do coração fetal nessas primeiras oito semanas do feto. Também algumas medicações como o lítio, certos anticonvulsivantes e mesmo drogas ilícitas podem levar a mal formação.

Do outro lado, temos também como fatores de risco a gravidez gemelar e a fertilização in vitro. Além dessas condições, histórico de cardiopatia congênita prévia ou em parentes de primeiro grau também se mostram como fatores para maior incidência de alterações cardíacas fetais.

 

Quais as primeiras intervenções quando se descobre? Que tipos de tratamento?

O diagnóstico precoce é fundamental justamente para a realização da melhor programação clínica e cirúrgica possível. Nem todas as cardiopatias congênitas requerem tratamento cirúrgico, pois de acordo com o Ministério da Saúde, aproximadamente 24 mil crianças nascem com alguma alteração cardíaca, mas 20% delas não tem indicação de qualquer procedimento cirúrgico. As outras 80% terão que se submeter a algum tratamento cirúrgico em algum momento de suas vidas.

Por exemplo, temos condições que a única via que faz chegar o sangue nos pulmões é o canal arterial, aberto em toda vida fetal, mas se fecha por volta de 24-48 horas após o nascimento, após a expansão pulmonar e uso do mesmo para oxigenação (a placenta leva sangue oxigenado para o feto durante a gestação). Nesses casos, o diagnóstico precoce é fundamental, pois se o canal fecha, leva rapidamente ao óbito do recém-nascido. Mas se sabemos o diagnóstico intrauterino ou mesmo nessas primeiras horas pós-nascimento, conseguimos infundir uma substância pelo cordão umbilical para manter o canal aberto e, consequentemente, programar rapidamente uma cirurgia cardíaca inicial para substituir esse canal por outro que se mantenha aberto, até um desenvolvimento inicial da criança e submissão de novos procedimentos cirúrgicos.

E como o universo das cardiopatias congênitas é muito amplo, pode não haver a necessidade de intervenção cirúrgica, ou até precisar de três ou mais cirurgias para correção dos fluxos sanguíneos do paciente. Além disso, temos também a possibilidade de as cirurgias serem curativas, ou seja, reestabelecem o sistema cardíaco “habitual”, levando a cura total do indivíduo, ou paliativas.

No caso das cirurgias paliativas, a despeito de reestabelecer o fluxo de sangue para uma saturação adequada, seguem sem parte do sistema cardiovascular completo (como a falta de uma das cavidades cardíacas ou falta de um ou mais vasos sanguíneos originais), levando a uma não certeza de longevidade cardiovascular e consequentemente, de sua vida. Salientando que temos diversos casos reais de pacientes desse grupo que chegaram bem até a velhice.

É possível se ter uma vida normal? Qualidade de vida?

A vida que um cardiopata congênito depende tanto do diagnóstico do tipo de cardiopatia, quanto da precocidade do diagnóstico e do tratamento realizado. Existem algumas condições que sequer necessitam de cirurgia, de forma que a vida segue totalmente normal, mas temos também casos de cardiopatias bastante complexas que foram precocemente diagnosticadas e passaram por todos os procedimentos necessários nos momentos adequados.

A depender da cirurgia, é necessário ter um mínimo de altura e peso para sua execução, sendo necessário meses a anos para tal condição, sendo que uma vez atingida a condição, a cirurgia deve ser realizada. Nesse último caso, mesmo com condições complexas é possível ter uma vida muito próxima do que se considera normal, pois as limitações serão mínimas e muitas vezes relacionadas a atividades físicas de alta performance, mantendo intelecto adequado e podendo exercer qualquer profissão que vier a desejar.

Porém, nem sempre o diagnóstico é precoce e as cirurgias são feitas no tempo ideal. Nesses casos o cenário é mais sombrio, pois vai desde um falecimento precoce após o nascimento, até crianças que conseguem crescer, mas com a baixa oxigenação, desenvolvendo-se pouco em termos de tamanho e peso, o que mexe com sistema imunológico e hormonal, sendo muito mais sujeitas a infecções e complicações, que tanto pioram muito sua qualidade de vida, quanto abreviam sua longevidade.

Tem a ver com hereditariedade?

Sim, podemos de alguma forma associar a cardiopatia congênita com hereditariedade e genética, isso porque famílias que possuem casos prévios de alguma patologia congênita do coração em parentes de primeiro grau possuem chance maior de terem filhos com alguma malformação cardíaca desenvolvida intraútero. Além disso, algumas alterações cromossômicas possuem uma incidência bastante aumentada de cardiopatia congênita, sendo o principal exemplo a síndrome de down, onde é bastante frequente graus variáveis de alteração no desenvolvimento embrionário cardíaco, podendo cursar com alterações discretas ou mesmo condições bastante complexas.

Qual a importância do apoio da família?

O suporte familiar é a arma mais importante e poderosa para o adequado crescimento e desenvolvimento do indivíduo cardiopata, pois este ajuda a moldar não só os tempos de tratamento, mas principalmente o suporte emocional que essa criança precisa para entender o que ela tem de diferente dos outros. Assim como todas as cicatrizes que possivelmente terá em seu corpo, de forma que ganhe confiança para se aceitar e viver a vida, pois só assim conseguirá crescer, se desenvolver e amadurecer.

Ao ter uma vida segura e de qualidade, confiando que as coisas darão certo, poderá seguir seus sonhos como qualquer outra pessoa sem doença prévia alguma. A cardiopatia congênita não deve ser vista como uma doença, mas sim uma condição que requer cuidados específicos para garantir a normalidade e qualidade na vida daquele que a possui.