Com pressa para iniciar ou continuar o tratamento, pacientes sentem-se constantemente ameaçados por algumas políticas públicas limitadas e pela eventual falta de medicamentos

O câncer de pulmão, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), é o segundo em incidência, depois do câncer de mama, e o principal em mortalidade. Em 2020, representou 11,4% do total e foi responsável por 18% de mortes por câncer no mundo, o que representa aproximadamente 1,8 milhão de pessoas.

No Brasil, além das estatísticas altas de câncer de pulmão, da ordem de 30 mil por ano, temos ainda nos deparado com questões graves relacionadas aos medicamentos anticâncer. A produção de radio fármacos, essenciais em diagnósticos e tratamentos de várias doenças, entre elas o câncer, está sob ameaça. Devido à falta de verba federal, 5.000 a 10.000 pacientes por dia correm o risco de não ter acesso à droga.

Para tentar solucionar a situação, tramita na Câmara Federal um projeto de lei em busca de verba extra para a produção de radiofármacos, mas o processo ainda é longo e incerto. E os pacientes com câncer nem sempre dispõe desse tempo de espera. Precisam iniciar ou seguir seus tratamentos com urgência. “Os radiofármacos, administrados por via venosa, são importantes em alguns exames mais específicos relacionados ao câncer de pulmão como a tomografia por emissão de pósitrons. Este exame mede variações nos processos bioquímicos e acusa a presença ou desenvolvimento do câncer de pulmão antes da tomografia comum ou da ressonância magnética”, diz o oncologista torácico e presidente do Instituto Oncoclínicas, Carlos Gil Ferreira. “Em tratamentos de câncer, o radiofármaco percorre a corrente sanguínea do paciente até o local do tumor. Sua grande vantagem é que mata as células tumorais sem danificar as saudáveis. Isso significa menos efeitos colaterais e mais qualidade de vida. Isso já é uma realidade para alguns tipos de tumores, como câncer de próstata e tumores neuroendócrinos”, afirma ele.

Além da eventual falta dos radiofármacos, ainda há a polêmica questão do Rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), lista de procedimentos, exames e tratamentos com cobertura mínima obrigatória pelos planos de saúde. Atualizado a cada dois anos, o Rol da ANS é muitas vezes utilizado pelos convênios médicos para retardar a incorporação de medicamentos anticâncer. “Já vi paciente com câncer metastático que necessitava de determinada droga oral, já aprovada e precificada pela Anvisa, mas que não foi liberada pelo plano de saúde. E isso, naturalmente, prejudicou muito a evolução do tratamento”, conta Carlos Gil.

Atualmente, o acesso às drogas orais, específicas para cada tumor e, portanto, mais eficientes, é bem mais difícil do que às medicações intravenosas. Neste ano, entretanto, houve um grande movimento político para modificar esse cenário e, assim, tratar melhor os pacientes com câncer. O Projeto de Lei – PL 6.330/2019 foi aprovado pela Câmara dos Deputados e Senado, mas, infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro o vetou. Agora, há uma campanha para derrubar o veto do presidente, que, em breve, será avaliado pela Câmara.

No Sistema Único de Saúde (SUS), a situação é ainda mais grave. Em pacientes com adenocarcinoma de pulmão, por exemplo, é mandatário fazer um teste molecular para buscar a existência de alguma mutação com potencial terapêutico. No SUS isso não acontece, com exceção em instituições que têm pesquisa ativa como, por exemplo, o Inca, Icesp e o Hospital do Câncer de Barretos. “Caso os pacientes fossem testados, no entanto, teríamos um segundo problema. Identificaríamos as mutações da doença, mas não teríamos as drogas específicas para tratá-las, já que O SUS não paga pela maioria dos medicamentos orais para câncer de pulmão. E, por fim, a imunoterapia, uso de medicamentos para estimular o sistema imunológico a reconhecer e destruir células cancerígenas com mais eficácia, não está disponível na rede pública”, diz Carlos Gil.

“Os pacientes de câncer de pulmão do SUS são tratados como há 15 anos e isso é um muito ruim do ponto de vista científico e social. A falta de acesso à tecnologia e aos medicamentos de ponta impacta profundamente no índice de sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes. Está mais do que na hora de algumas autoridades mudarem suas posturas em busca da medicina personalizada, mais inclusiva e democrática. Vários países já têm políticas nacionais para medicina personalizada”, conclui o médico.

Sobre Dr. Carlos Gil Ferreira

Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1992) e doutorado em Oncologia Experimental – Free University of Amsterdam (2001). Foi pesquisador Sênior da Coordenação de Pesquisa do Instituto Nacional de Câncer (INCA) entre 2002 e 2015, onde exerceu as seguintes atividades: Chefe da Divisão de Pesquisa Clínica, Chefe do Programa Científico de Pesquisa Clínica, Idealizador e Pesquisador Principal do Banco Nacional de Tumores e DNA (BNT), Coordenador da Rede Nacional de Desenvolvimento de Fármacos Anticâncer (REDEFAC/SCTIE/MS) e Coordenador da Rede Nacional de Pesquisa Clínica em Câncer (RNPCC/SCTIE/MS). Desde 2018 é Presidente do Instituto Oncoclínicas e Diretor Científico do Grupo Oncoclínicas. No âmbito nacional e internacional foi Membro Titular da Comissão Científica (CCVISA) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). No âmbito internacional é membro do Board, Career Development and Fellowship Committee e do Bylaws Committee da International Association for the Research and Treatment of Lung Cancer (IALSC);Diretor no Brasil da International Network for Cancer Treatment and Research (INCTR); Membro do Board da Americas Health Foundation (AHF). Editor do Livro Oncologia Molecular (ganhador do Prêmio Jabuti em 2005) e Editor Geral da Série Câncer da Editora Atheneu. Já publicou mais de 120 artigos em revistas internacionais. Em 2020, recebeu o Partners in Progress Award da American Society of Clinical Oncology. Presidente Eleito da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica para o período 2023-2025.