Psicóloga explica como surgem pensamentos extremistas

Fakenews, movimentos antivacinas, informações inverídicas pelos aplicativos de mensagens, quem nunca passou por essas situações?! Com a velocidade das informações, difícil ficar impune a essa quantidade de manifestações.

Para a psicóloga Daniela Faertes, quando a gente tem acesso a um dado que confirma que estamos certos, ou de algo que é melhor para nós, há uma sensação muito maior de conforto do que de desconforto; que é o que acontece também quando acessamos uma informação contrária às nossas crenças, que ativa nosso sentimento de frustração e revolta”.

E hoje em dia, o livre acesso a qualquer tipo de informação, que é maravilhoso por um lado, dá ensejo a essa troca de “provas” e faz com que se tenha evidências sobre o que pensamos, o que torna a visão mais rígida e menos flexível, pontua a psicóloga especialista em terapia cognitiva e mudança de comportamentos prejudiciais.

 

Mas será que esse é um novo comportamento da sociedade contemporânea, onde as pessoas beiram o extremismo com suas convicções e apenas procuram informações que confirmem suas crenças?

Daniela Faertes tira as principais dúvidas sobre o assunto a seguir. Confira:

De onde vêm as nossas opiniões e crenças?

 

As nossas opiniões e crenças são um misto de influências familiares, primordialmente, depois sociais, a partir do momento que a gente entra em contato com o mundo, na escola. Tem também uma questão da própria personalidade, ou seja, uma influência individual, que é também a nossa forma de enxergar o mundo. Então você vê pessoas, dois irmãos crescendo na mesma família, e às vezes eles têm opiniões políticas completamente diferentes, essa é a mistura de influências.

O que é o viés de confirmação?

 

O viés de confirmação é uma tendência que todos nós temos de buscar informações ou mesmo opiniões que confirmem o que nós já estamos tendenciosos a achar. Por exemplo, às vezes aquela pessoa que vai pedir uma opinião para uma amiga sobre uma situação, já sabe mais ou menos como aquela amiga pensa, ou dos filhos fazerem isso entre os pais, pedindo algo para o que tem maior chance de concordar, e fazemos isso o tempo todo com os nossos pensamentos.  Se tivermos um pressuposto, uma crença sobre alguma coisa, buscamos informações que confirmem o nosso pensamento, isso traz uma sensação de segurança, de alinhamento de sentido e propósito, o que é importante para tomada de decisões, confirmar vias saudáveis do nosso comportamento; ou seja, vale a pena procurar esse tipo de emprego agora ou não, vale a pena investir nisso agora ou não vale. Só que em excesso ou sem flexibilidade de enxergar o todo ou diferentes pontos de vista, tem o viés de limitação, rigidez e falta de ponderação, é que diferencia esse viés de confirmação como algo saudável ou não.

Você acredita que esse é um comportamento da sociedade contemporânea, onde as pessoas beiram o extremismo com suas convicções e apenas procuram informações que confirmem suas crenças?

 

Sim, é um comportamento da nossa sociedade contemporânea. Eu acho interessante a gente falar da questão dos algoritmos, que na verdade já emergem com muita força essas nossas tendências. Então, na medida em que eu penso alguma coisa, falo ou já vejo uma reportagem, aparecem textos e falas que vão confirmar aquilo que eu penso sobre esse assunto. Isso acaba aumentando a polaridade das opiniões e das confirmações do que nós temos hoje. Por exemplo, sempre em termos de estudo, de ciência, vai haver a exceção. A gente nunca vai ter uma confirmação de eficácia em 100 por cento dos casos. Até essas dúvidas sobre a ciência vêm dessa necessidade, desse extremismo, de uma confirmação, que às vezes não tem como chegar a essa totalidade. Porque até no mundo, onde a tecnologia evoluiu, a informação, os próprios estudos, vamos ter percentuais maiores ou menores, mas que confirmem crenças  muitas vezes diferentes.

 

É através do viés da confirmação que as pessoas tendem a espalhar e acreditar em fakenews?

 

Sim, a questão das fakenews tem duas pontas. Quando a pessoa vê que aquilo confirma o que ela já pensa, ela repassa sem ir atrás da veracidade. É mais fácil a gente repassar fakenews que confirmem aquilo que a gente acredita.

Também existe outra questão que não é do viés da confirmação, mas da má intenção de distribuir informações. É quando a pessoa que distribui informações sabe que aquilo é falso e mesmo assim o faz, ou no mínimo tem chance de não ser verdadeiro e repassa a informação mesmo assim com a irresponsabilidade de poder ou não ser verídico.

 

Como nós fazemos escolhas do que devemos ou não acreditar?

 

As escolhas, principalmente do que a gente deve acreditar, até nessa questão do viés de confirmação natural e saudável é que a gente olhe para os dois lados,  com uma amplitude de olhar, de ouvir opiniões diferentes daquilo que já tendemos a acreditar. E, mesmo assim, a gente continua confirmando aquilo que a gente imagina, ou seja, eu vejo as opiniões e a partir daí eu escolho, mesmo que seja o viés que eu já estava tendendo. O grande perigo é quando a gente escolhe, sem olhar, negando completamente o que se está vendo das outras possibilidades.

 

O movimento antivacina é um posicionamento que se dá a partir do viés de confirmação?

 

Sim. Infelizmente o movimento antivacina é um deles, porque sempre vai ser possível, como a gente falou em termos de ciência, achar alguma evidência ou alguém que não foi beneficiado, que passou mal com uma vacina. Então os movimentos antivacina são baseados em alguns fatos e evidências, que regem uma minoria, um percentual muito menor do que as outras evidências, mas é que a pessoa tende a olhar só para essas evidências.

 

Como fazer com que as pessoas enxerguem que talvez as crenças e convicções delas estejam erradas?

 

Eu acho que a primeira coisa é a gente saber que existe essa tendência natural, cerebral, humana, do viés da confirmação. Sabendo da existência desse  fenômeno estimulamos essa amplitude de olhar e daí já temos um pouquinho mais de controle e chance de  administrá-lo.

 

Quais movimentos podem fazer para enxergarmos e estarmos abertos a ouvir e refletir sobre opiniões contrárias a nossa?

 

Os principais movimentos que a gente pode fazer são relacionados a essa questão de simplesmente olhar para opiniões diferentes daquilo que nós gostaríamos que fosse verdade, por exemplo, ou que a gente já está tendendo a achar.

 

Qual o limite entre expor o seu ponto de vista e respeitar o ponto de vista do outro?

Essa é uma discussão complexa. As pessoas podem expor o ponto de vista delas, mas têm que tomar muito cuidado como isso é feito. É sempre válido ter o seu ponto de vista, mas não necessariamente colocando o do outro como errado. O certo e errado hoje são muito difíceis, a não ser no assunto ciência. Você pode expor a sua opinião, as suas crenças baseadas em algumas evidências, sempre tendo uma abertura flexível. Eu acho que uma frase boa é: “flexibilidade de olhar para as coisas que não necessariamente são as confirmações do que você imagina”.