As ações judiciais envolvendo a saúde explodiram em 2025, com número cinco vezes maior no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao ano anterior, e hoje somam mais de 869 mil processos pendentes no país, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas para o advogado e ex-deputado federal Índio da Costa, relator da Lei da Ficha Limpa e uma das principais referências na judicialização da saúde, o problema vai além da estatística. Ele alerta que hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) correm sérios riscos diante de distorções de financiamento, falhas na tabela de procedimentos e ameaças fiscais em tramitação no Congresso.
“Não faz sentido um atendimento custar R$ 9,90 pelo SUS ou uma cirurgia R$ 35. Todos sabem que não é esse o custo real. O SUS é um sistema extraordinário, mas não pode se sustentar se a União não reconhecer e cobrar o valor mínimo dos procedimentos”, afirma.
Teses jurídicas
Índio da Costa detalha três frentes jurídicas que podem impactar diretamente a finança dos hospitais. A primeira envolve a Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos (Tunep). “Quando um paciente atendido pelo SUS tem plano de saúde, a União é ressarcida em valores da Tunep, que são muito superiores ao que repassa aos prestadores. Essa diferença configura-se em claro enriquecimento ilícito. Se a União recebe pela tabela, então ela reconhece, e se reconhece, deve repassar aos hospitais”, defende.
A segunda tese, explica o jurista, surgiu durante a pandemia, quando o governo federal pagava R$ 1.600 por internação de pacientes com Covid, contra R$ 478 em casos comuns, apesar da mesma estrutura de atendimento. Dois anos depois, ambos foram nivelados em R$ 600. “Essa distorção não tem justificativa técnica e abre espaço para reparação judicial”, afirma.
A terceira, ainda em preparação, propõe reavaliar os valores pagos a Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e Unidades de Cuidados Intensivos (UCIs) com base nos patamares usados nos ressarcimentos da saúde suplementar. De acordo com ele, mais de 250 hospitais já manifestaram interesse em ingressar com ações nesse sentido.
O risco fiscal da PEC no Congresso
Outro ponto de preocupação para a rede hospitalar é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Senado, que retira a Selic como indexador de correção das ações contra a União. A medida abre espaço para que o STF defina índices menores, como Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou poupança, reduzindo significativamente os valores a serem recebidos pelos hospitais.
“Ou o setor de saúde se mobiliza, ou os bilhões de reais em precatórios podem encolher. É um risco fiscal bilionário que ameaça diretamente as entidades conveniadas ao SUS”, afirma Costa.
Mais Especialistas sob questionamento
O jurista também critica o programa Mais Especialistas, lançado recentemente pelo Ministério da Saúde, que credencia hospitais e clínicas para ampliar atendimentos e compensar dívidas tributárias. Segundo ele, a proposta cria distorções ao praticar valores muito acima da tabela SUS para os mesmos procedimentos.
“É a mesma situação da Covid. Não é possível pagar, por exemplo, R$ 10 por um serviço via SUS e R$ 50 pelo mesmo serviço via programa. Além disso, a portaria prevê que hospitais que aderirem ao programa renunciem a ações judiciais como as da Tunep. Quem não fizer a leitura atenta pode trocar créditos de centenas de milhões por compensações menores”, adverte.
A conta que não fecha
Nas últimas décadas, o SUS ampliou significativamente seu rol de procedimentos, saindo de menos de 4 mil para mais de 10 mil. Porém, a tabela de valores não acompanhou essa expansão. “A conta não fecha. O correto seria reduzir a quantidade de procedimentos, priorizar os essenciais e pagar o valor real de cada um. Sem isso, a rede conveniada e filantrópica continuará sobrecarregada”, afirma Costa.
Segundo a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), atualmente, 52% dos hospitais privados do país, incluindo filantrópicos, atendem pelo SUS, mas muitos operam endividados ou fecham unidades diante da defasagem.
“No Brasil, cerca de 70% dos hospitais são considerados de pequeno ou médio porte. Mais da metade deles não está localizada nos grandes centros urbanos, mas fora da capital. Portanto, são hospitais pequenos, que, em milhares de municípios, refletem a única estrutura de assistência à população. Esses hospitais precisam de um olhar mais atento do poder público, e o reajuste da tabela é um fator primordial”, explica o presidente da FBH, Reginaldo Teófanes.
Para Índio da Costa, a saída exige coragem e planejamento. “É preciso investir em prevenção e saúde básica, mas garantir que os hospitais recebam o custo real do que prestam. Sem isso, a judicialização continuará sendo o único caminho para manter o setor vivo”, conclui.
Por Felipe Nabuco
Equipe Visão Hospitalar