“À medida em que chamamos de novo normal, diminuímos a possibilidade do nosso cérebro fazer restrições”, acredita a psicóloga

Praias, bares, ruas lotadas, o “novo normal” avança à medida em que o número de casos da pandemia dispara. Muitos já banalizam esse estágio em que vivemos e não levam tão a sério os cuidados com a saúde e isolamento. Para a psicóloga Daniela Faertes, utilizar esse termo é um erro.

“À medida em que chamamos de novo normal, diminuímos a possibilidade do nosso cérebro fazer restrições, porque não conseguimos segui-las por muito tempo. A tendência é criarmos um modo adaptado para essa situação e isso eu acredito que seja uma grande incoerência”, pontua a psicóloga.

Festas clandestinas e aglomerações são a prova desse comportamento. Será que no futuro, as próximas gerações ainda sentirão os traumas da pandemia? A psicóloga esclarece a seguir as principais questões que envolvem o tema. Confira:

Por que a maioria pessoas está banalizando o novo normal, sem levar o isolamento e cuidados com a saúde tão a sério como no começo da pandemia?

Quando nós escutamos essa expressão “novo normal”, somos tendenciosos a pensar que temos que criar um tipo de rotina adequada para nós e que vá perdurar por um tempo, seja em termos financeiros, de saúde mental ou questões familiares.  Pode ser um erro chamarmos de “novo normal” porque diminuímos nossa possibilidade de fazer restrições.

Nosso cérebro tende a rejeitar este modelo e busca encontrar uma maneira adaptada para vivermos um período maior. Por este motivo, tem sido tão difícil seguir restrições. Isso não acontece somente por parte dos jovens, que vão à festas, mas pessoas do grupo de risco também já estão vendo os netos, encontrando familiares e amigos. Nós criamos um modelo para o “novo normal” sendo que ainda estamos em pandemia. Alguns ajustes e flexibilidades para algo que não tem data certa para terminar é ok, mas considerar o novo normal é banalizar a pandemia.

É claro que podemos chamar “novo normal” um período em que vá se usar máscara por mais tempo, ou em que haverá algum tipo de isolamento e distanciamento social, mas a pandemia não pode ser considerada normal. A grande questão é que conseguimos nos adaptar melhor à restrições se elas forem temporárias e passageiras.

Quais os aprendizados podemos tirar deste período de pandemia?

Eu acho que talvez o maior aprendizado seja as pessoas valorizarem um pouco mais as coisas que antes deixavam passar devido à correria do dia a dia. Eu acho que devemos dar valor, além da saúde, as coisas que nesse período nos fizeram falta e que antes não dávamos a devida atenção, seja um exercício físico ou um encontro com os amigos, por exemplo.

Você acredita que em um período pós-pandemia seremos mais atentos aos cuidados com a saúde e ampliaremos a nossa visão de mundo, bem como a empatia com o outro?

Sim, muitas pessoas vão ampliar os cuidados com a saúde e esse tema estará mais em evidência. Terão alguns que vão ampliar suas visões de mundo, bem como a empatia em relação ao outro. Também há outras que não vão mudar, continuarão com um olhar pessimista, ou egoístas, ou até aquelas que terão um comportamento negativo no sentido de compensação dessa sensação de ano perdido. Os efeitos são muito individuais.

Angústia, medo, mudanças de humor repentinas, como não banalizar esses sentimentos e ter aquela sensação de que esse é o nosso “novo normal”?

Essas são emoções bem presentes deste período e nós somos tendenciosos a levar isso para um “novo normal”, já que a pandemia está perdurando mais tempo do que imaginávamos. Vivenciamos sentimentos desconfortáveis por muito tempo. É uma sensação de “já deu“, “ de saco cheio”, “ quando é que isso vai acabar? “.

As pessoas sabem que em algum lugar esse não é o estado normal, mas não se sabe quando tudo voltará a ser como antes, isso acarreta sentimentos muito confusos. Ouço relatos de pessoas sobre confusão de sentimentos, em que essa semana pensam em uma coisa diferente sobre o que devem ou não fazer. O certo e o errado nunca foi tão confuso na mente das pessoas sobre o que deveria ou não ser feito. Muito por conta das regras confusas e contraditórias.

Daniela Faertes