Conhecida por PAF-TTR e historicamente conectada ao Brasil, apesar de já contar com manejo terapêutico, seu diagnóstico é um desafio por se manifestar em adultos e ser confundida com outras patologias

O mês de junho é marcado pelo movimento de conscientização sobre amiloidose hereditária, também conhecida como polineuropatia amiloidótica familiar (PAF-TTR), uma doença genética rara, hereditária, degenerativa e progressiva, que afeta vários órgãos, como coração, rins, olhos e o sistema nervoso, causando dores intensas, incapacitação e, se diagnosticada tardiamente e não tratada, pode levar à morte em até 10 anos após o surgimento dos primeiros sintomas [1]. A enfermidade, subdiagnosticada no Brasil, se manifesta em adultos e pode ser confundida com outras doenças.

“As ações de conscientização sobre doenças raras são muito importantes para disseminar informações sobre sinais, sintomas e as características únicas de cada enfermidade, contribuindo para reduzir o tempo do diagnóstico. Isso faz com que seja possível iniciar o tratamento adequado o mais rápido possível, que irá desacelerar a progressão das doenças e garantir mais qualidade de vida aos pacientes”, diz Fabio de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Paramiloidose, que convive com a doença e é uma das vozes que lutam pela propagação de informação sobre PAF-TTR no país.

A PAF-TTR é causada por uma alteração genética no gene da transtirretina (TTR), levando à formação de fibrilas anormais da proteína TTR que se depositam nos órgãos na forma de amiloide, por isso também é conhecida por amiloidose relacionada à transtirretina ou amiloidose por TTR. Essas fibras insolúveis, ao se aglomerarem no tecido extracelular de vários órgãos, comprometem suas funções e no sistema nervoso periférico causam perda de sensibilidade, fraqueza e atrofia [2].

Por ser hereditária, autossômica e dominante, a possibilidade de que os filhos de uma pessoa com PAF receba o gene mutado é de 50%. Os primeiros sintomas costumam aparecer entre os 25 e 35 anos de idade, mas há casos em que se manifesta após os 50 anos [1].

A doença progride dos membros inferiores para os superiores, e os pacientes relatam os primeiros sintomas como formigamento e perda de sensibilidade nos pés, dores intensas e incapacitantes, tanto superficiais como internas, surgindo mais tardiamente fraqueza e atrofia, que progridem até à incapacidade de locomoção. Devido aos primeiros sintomas aparecerem sempre nos pés, a PAF-TTR também ficou conhecida como Doença dos Pezinhos [1].

“São diversas as consequências da doença, incluindo insuficiência cardíaca, insuficiência renal, alterações visuais, dor, síndrome do túnel do carpo, perda da sensibilidade, fraqueza e atrofia muscular e disautonomia, que se manifesta como diarreia e constipação, vômitos, arritmia cardíaca, hipotensão postural etc. Ainda que as limitações ocasionadas pela PAF-TTR sejam primordialmente físicas, suas consequências levam os pacientes a desenvolver desordens emocionais como ansiedade, angústia, insônia, depressão, entre outros, comprometendo ainda mais a qualidade de vida dos pacientes”, pondera o neurologista Wilson Marques Junior, Do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP especialista na enfermidade.

Diagnóstico e tratamento

A PAF-TTR pode ser diagnosticada por meio de exame genético de DNA, feito a partir da coleta de sangue ou de material da mucosa. Apenas pessoas acima dos 18 anos podem ser submetidas ao exame. “Indivíduos que têm casos de PAF-TTR na família podem buscar aconselhamento genético e investigar se também possuem o gene alterado o que configura a situação de portador. Isso pode fazer diferença no seu planejamento de vida e para saberem se seus filhos poderiam ou não ser afetados [5]. O teste está disponível no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), mas a dificuldade é que há poucos lugares no Brasil que fazem esse tipo de exame, e pessoas que vivem em lugares distantes enfrentam mais este empecilho para terem a doença diagnosticada”, explica Fabio.

“O diagnóstico precoce é fundamental não apenas para identificar qual tratamento é mais indicado para cada paciente, mas principalmente porque o tratamento precoce evita ou retarda o aparecimento das manifestações clínicas, indica o médico Wilson Marques.

A tecnologia aplicada à ciência tem possibilitado o desenvolvimento de terapias que atuam diretamente na estabilização ou produção da TTR. Descobertas recentes têm apresentado bons resultados com medicamentos que possibilitam autoadministração e silenciam o gene, impactando diretamente a qualidade de vida dos pacientes [1], ou que atuam diretamente no RNA.

A PAF-TTR na história do Brasil

A doença foi descoberta em 1939, cientificamente descrita pela primeira vez em 1952 pelo médico português Mario Corino da Costa Andrade, e tem uma relação histórica com o Brasil que provavelmente remonta à época da colonização. Foi na região de Póvoa do Varzim, norte de Portugal, próximo ao Porto, que o cientista identificou uma alta prevalência da doença. Estudos sugerem que o primeiro caso tenha surgido na Idade Média (sec. XV) e se espalhou pelo mundo com o deslocamento das populações, trazida ao Brasil pelos imigrantes portugueses [3].

Estima-se que em todo o mundo cerca de 50 mil pessoas tenham PAF-TTR. A região de Póvoa do Varzim apresenta uma prevalência de 1 caso para cada 1.100 habitantes. Não há dados oficiais sobre o Brasil, mas acredita-se em uma prevalência de 1 caso para cada 100 mil habitantes no país4, ou cerca de 5 mil pessoas.

Entre personagens célebres da história que sofreram com a doença está o escritor português Eça de Queiroz, que faleceu aos 54 anos, em 1900, na época diagnosticado com uma espécie de tuberculose intestinal, devido às fortes dores que sentia. Posteriormente, com a descrição científica da doença, seus biógrafos chegaram à conclusão de que a paramiloidose familiar foi a causa de sua morte.

Referências

1. Ando Y, Coelho T, Berk JL, et al. Orphanet J Rare Dis. 2013;8:31.
2. http://hdl.handle.net/10316/16103.
3. Andrade, Corino De 1952 ‘A Peculiar Form of Peripheral Neuropathy’. Brain 75. pp.408-27. Andrade, Maria Perdigão.
4. Hawkins PN, Ando Y, Dispenzeri A, et al. Ann Med. 2015;47(8):625-638.
5. Ando Y, Coelho T, Berk JL, et al. Orphanet J Rare Dis. 2013;8:31.