Uma pesquisa realizada pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP/FGV), que avaliou a pandemia de Covid-19 e os profissionais de saúde pública no Brasil, revelou que apenas 14,2% dos profissionais da área da saúde entrevistados sentiam-se preparados para lidar com a Covid-19. A maioria (64,97%) disse que não estava apta, e o restante não soube responder.

O levantamento constatou, ainda, que os profissionais de saúde das regiões Norte e Nordeste são os mais frágeis. Ao analisar por categoria, os agentes comunitários de saúde (ACS) e os agentes de combate a endemias (ACEs) são aqueles que se sentem mais despreparados (apenas 7,61% sentem-se prontos para lidar com a doença). O índice também é bastante preocupante entre profissionais de enfermagem, já que somente 20,09% dos entrevistados disseram estar preparados para atuar na linha de frente no combate à pandemia.

A pesquisa indica, ainda, que mais de 55% dos profissionais de saúde conhecem alguém que se contaminou ou foi diagnosticado com suspeita de Covid-19. Por isso, o medo é um sentimento comum a esses profissionais, independentemente da região ou do nível de atenção. Segundo os dados, 91,25% dos ACS e dos ACEs têm medo da doença. Já para os profissionais de enfermagem, o índice é de 84,31%, e, para os médicos, de 77,68%.

“Essa pesquisa mostra que os profissionais dos quais mais dependemos para enfrentar a pandemia estão em situação de extrema vulnerabilidade. Há escassez de equipamentos de proteção, faltam informações e suporte governamental e a maioria não se sente preparada para lidar com a crise. Isso coloca esses profissionais em uma situação de muita fragilidade, na medida em que precisam estar na linha de frente, mas sentem medo e podem tanto adoecer quanto se tornarem vetores de contágio”, avalia Gabriela Lotta, coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB) e professora na EAESP/FGV.

EPIs e treinamento

O estudo revela, ainda, que somente 32% dos profissionais disseram ter recebido equipamentos de proteção individual (EPIs). Entre os ACS e os ACEs, o número é ainda menor (19,65%).

“Um trabalho de atendimento na ponta, sem o devido EPI, gera um risco altíssimo de contágio, tanto para profissionais quanto para usuários dos serviços de saúde. Além disso, aumenta a insegurança desses profissionais e a hostilidade por parte dos pacientes”, explica Gabriela.

Com relação ao suporte governamental, mais da metade dos entrevistados afirmou não sentir que o governo os apoia. Esse número é maior quando avaliam o governo federal (67%). Em relação à atuação dos governos estaduais, 51% declararam não ter suporte. Sobre o apoio de chefes, 71,82% dos entrevistados disseram não sentir este apoio. Apenas 21,91% relataram ter recebido treinamento, sendo que a maioria corresponde a médicos.

“É muito grave a maneira como os profissionais estão sendo expostos sem apoio, sem equipamento e sem informações. É como se estivessem sendo jogados num confronto vendados e desarmados. Se o Estado não consegue cuidar de seus próprios profissionais, como esperar que eles possam cuidar da população? Só com atos de heroísmo”, afirma Gabriela.

Relação com pacientes

O estudo também analisou em que medida a crise alterou os processos de trabalho e as interações entre profissionais e usuários. Três em cada quatro entrevistados responderam que a crise alterou suas rotinas, com mudanças relativas a fluxo de trabalho, procedimentos, mudança de prioridades, introdução de novas tecnologias, entre outras mudanças.

Com relação às interações, 88% dos profissionais afirmaram que a crise alterou a maneira como se relacionam com os pacientes, sendo que o maior impacto citado diz respeito ao distanciamento físico. “Estas questões são bastante importantes para a saúde, especialmente para a atenção primária, onde o contato cotidiano e o toque físico são centrais para a construção de vínculos com as famílias atendidas. Como relatou uma agente comunitária de saúde: ‘É muito ruim para o serviço não poder pegar na mão do paciente e dizer que tudo vai ficar bem’. A crise, portanto, tem impactos importantes para além da doença em si, afetando a maneira como os profissionais se relacionam com os pacientes”, analisa Gabriela.

Metodologia

O survey on-line foi realizado com 1.456 profissionais da saúde pública, de todos os níveis de atenção e regiões, entre os dias 15 de abril e 1º de maio de 2020. Dos participantes, 79% são mulheres, 19,6% homens e menos de 1% preferiu não declarar. Quanto ao tempo de atuação, 64,84% dos profissionais exercem seu trabalho na respectiva área há mais de dez anos e 65% têm vínculos prévios com o território ou nasceram na região onde trabalham.