Transformação digital na saúde

José Augusto Alves de Paula*

O mercado de saúde está em franca ebulição. O modelo está falido e isso já se tornou matéria corriqueira. Para quem milita nesse segmento, a palavra de ordem é reinventar o setor! Como nunca, ouvimos falar sobre digitalização, design thinking, big data, inteligência artificial (IA), business intelligence (BI), patient centricity, risk sharing, pagamento por desfecho clínico, e por aí vai. Mas estamos atacando o cerne do problema?

A saúde agoniza pela disparidade dos interesses dos seus atores. Isso também já tratamos em outros artigos. Mas o fato de não existir um teto para as despesas assistenciais acaba por inviabilizar projeções financeiras e a administração dos custos frente às receitas… e sempre foi assim!

Vale lembrar que, antes da regulamentação dos planos de saúde, em 1998, os contratos tentavam limitar suas coberturas buscando alguma base atuarial a suportar o risco: prêmio x sinistro. Limitação de diárias em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) (90 dias), restrições de coberturas a algumas doenças (hepatites), restrições de fisioterapias por evento/por ano, exclusão de transplantes (rins e córnea, quando existiam), apenas como exemplo. À época, a saúde suplementar possuía algo em torno de 40 milhões de beneficiários.

Pois bem, nossos gestores, atualmente, deparam-se com coberturas praticamente ilimitadas, fornecimento crescente de recursos e de medicamentos a partir da revisão do rol de coberturas mínimas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – revisado a cada dois anos –, e, ainda, com a enorme dificuldade de repasse dos custos apropriados ao cliente final. O que presenciamos é um encolhimento do setor. Se, em um primeiro momento, ele se deu com a redução do ingresso de beneficiários no sistema suplementar – que constatamos a partir de dezembro de 2014, quando chegamos a 50 milhões (atualmente, são 47 milhões de vidas assistidas exclusivamente por saúde) –, em outro vem ocorrendo pela inviabilidade financeira de operadoras Brasil afora, que não conseguiram manter suas operações – atualmente, são 737 registradas na ANS com beneficiários ativos; eram 1.770 ativas em 2010. Nem vou entrar no mérito da judicialização em saúde.

Não quero, aqui, polemizar quanto a quem está certo ou errado, mas o fato de aplicarmos isoladamente novas tecnologias para o setor não significará a viabilidade deste segmento. Em uma linguagem mais objetiva, as empresas estão focadas em melhorar seu resultado operacional implementando tecnologia, para, assim, reduzir seus custos, dado que o aumento de receita não vem acontecendo por fatores econômicos.

Não podemos destacar que toda essa transformação passará por investimentos e queima de reservas. Automatizar o atendimento aos beneficiário por meio de múltiplos canais (omnichannel), sistemas de informação com prontuários de fácil acesso a toda a cadeia, modelos preditivos de risco de pacientes, controle dos custos e liberações de internação em tempo real depende da integração de toda a cadeia. É nesse ponto que pouco evoluímos: nos padrões de integração da cadeia.

Com absoluta certeza, os padrões de bases de dados que estão disponíveis nas operadoras divergem entre si. A começar pelos códigos dos procedimentos e suas descrições; temos inúmeros padrões vigentes: Associação Médica Brasileira (AMB), Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), Terminologia Unificada da Saúde Suplementar (TUSS), e suas versões. Isso sem mencionar os de pagamento; são inúmeras as codificações de pacotes próprios de cada operadora. Enquanto não trabalharmos essas informações, não haverá padrão para a análise setorial.

Recentemente, deparei-me com a base de dados de uma operadora repassada a um cliente em que mais de 50% dos códigos de procedimentos pagos de sinistro não correspondiam ao padrão da TUSS – vide regulamentação específica sobre esse tema: “Art. 13 (…) § 2º À operadora de planos privados de assistência à saúde é vedado manter vigente, em tabela própria, código para um termo constante na TUSS (…)” (BRASIL, 2012).

Ainda assim, estamos às voltas com a febre da utilização massiva de big data. Os indicadores-chave de desempenho (KPIs, do inglês key performance indicators) multiplicam-se e os dashboards estão cada vez mais requintados. Mas o que estamos analisando? Desvios de padrões? Identificando outliers, evidenciando ineficiências? 

Temo que nossa jornada de inovação não seja efetiva enquanto não nos sentarmos todos à mesa, não somente para viabilizar o fluxo e o padrão das informações, mas pela própria sobrevivência do setor.

 

REFERÊNCIA

BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar.  Resolução Normativa (RN) nº 305, de 9 de outubro de 2012. Estabelece o padrão obrigatório para Troca de Informações na Saúde Suplementar – Padrão TISS dos dados de atenção à saúde dos beneficiários de plano privado de assistência à saúde; revoga a Resolução Normativa – RN nº 153, de 28 de maio de 2007, e os arts. 6º e 9º da RN nº 190, de 30 de abril de 2009. Brasília: ANS, 2012.

* José Augusto Alves de Paula possui mais de 20 anos de experiência no Setor Saúde. Ocupou posições nas áreas técnica e de operações do Grupo Qualicorp. Possui MBA em Ciências Atuariais e Financeira e Gestão Empresarial.