O número de cirurgias bariátricas realizadas no mês de março pelo Sistema Único de Saúde (SUS) caiu em 35,6% se comparado com o mesmo período do ano passado, segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e com base no DataSUS do Ministério da Saúde. Em contrapartida, as mortes por COVID-19 relacionadas a doenças associadas à obesidade, como o diabetes, hipertensão e cardiopatias, representam 63% dos óbitos.

No ano passado, o sistema de dados do SUS processou 997 cirurgias bariátricas realizadas em todo o país no mês de março. Neste ano, o número de procedimentos foi reduzido para 642 para o mesmo mês. O sistema apresenta uma defasagem de três meses nos dados e por isso ainda não é possível verificar o impacto da COVID-19 na realização de cirurgias nos meses de abril e maio, quando os procedimentos foram totalmente suspensos.

Os dados de março do DataSUS são os mais recentes disponibilizados pelo Sistema. No entanto, seja pelo SUS ou por planos de saúde, a recomendação foi para a suspensão de 100% das cirurgias eletivas, desde o final do mês de março até o final do mês de maio. Já a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – que atua junto com os convênios – suspendeu até 31 de maio os prazos máximos para atendimento em regime de hospital-dia e atendimento em regime de internação eletiva, alegando o risco de contaminação pelo coronavírus.

Segundo o presidente da SBCBM, Dr. Marcos Leão Vilas Bôas, os pacientes com obesidade e doenças associadas devem buscar tratamento, já que são considerados grupo de risco para o COVID-19.

“Estar hoje com obesidade representa um risco muito elevado e a cirurgia metabólica e bariátrica são ferramentas potentes para minimizar essas doenças. Quando nós tratamos pacientes obesos, estamos minimizando os riscos para muitas doenças como infarto, derrame e câncer e, atualmente, também para o coronavírus”, diz Marcos Leão.

DADOS – Segundo o último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, 63% dos óbitos por COVID-19 apresentavam pelo menos um fator de risco. A cardiopatia foi a principal comorbidade associada, seguida pelo diabetes. Em todos os grupos de risco, a maioria dos indivíduos tinha 60 anos ou mais, exceto para a obesidade.

CASOS REAIS – A nutricionista de 39 anos, Rachel Rasina Mendes, do Rio de Janeiro passou pela cirurgia bariátrica no dia 12 de junho, com a equipe do cirurgião Fábio Viegas. Com 92 quilos e IMC de 36, ela disse que se preocupa muito mais com as doenças associadas à obesidade que ela carrega junto com o excesso de peso. “Tenho resistência a insulina, diabetes, hipertensão, esteatose hepática e ácido úrico alto. Minha cirurgia seria no dia 12 de março e foi cancelada com a pandemia. A cirurgia se tornou prioridade pra mim neste momento, inclusive porque sou grupo de risco em caso de COVID. Quero virar a chave e voltar a ser uma pessoa com saúde”, disse Rachel.

Em São Paulo, o comerciante Flávio Garbin, realizou a sua cirurgia no dia 18 de maio,com a equipe do cirurgião Luiz Vicente Berti. Com 152 quilos, ele pegou COVID e aí o medo aumentou. “Eu pretendia operar há muito tempo muito tempo. Estava com a cirurgia marcada, aí veio a pandemia e tive que cancelar. Quando peguei COVID tive a certeza de que precisava urgentemente perder peso e fazer o procedimento. Todas as medidas de segurança foram tomadas e hoje já estou com 17 quilos a menos”, conta Flávio.

Segundo ele, antes da cirurgia a pressão arterial era 15 por 8 e os medicamentos para controle eram muitos. “Hoje a minha pressão está 12 por 8 e não estou tomando mais remédios desde dois dias após a cirurgia. É uma nova vida, só tenho que agradecer”, completou.

A professora Elissa Pereira Ribeiro de Curitiba também optou por operar, ao invés de ficar no isolamento e com as doenças associadas à obesidade. Com apenas 33 anos, 1,50 metros e 104 quilos, ela realizou a sua cirurgia no dia 25 de maio com a equipe do cirurgião Caetano Marchesini.

“Com IMC 41, hérnia de disco e as articulações dos dois pés comprometidas pelo excesso de peso resolvi dar um basta na obesidade. Fiquei em isolamento, fiz os testes para COVID e após darem negativos voltei novamente para o isolamento até o dia da cirurgia. Confio na equipe do meu médico e ponderei entre permanecer no grupo de risco ou começar uma nova fase, com saúde e qualidade de vida. Com certeza operar foi a melhor opção”, relatou.

CFM recomenda continuidade de cirurgias bariátricas e metabólicas

Diante deste cenário, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Recomendação Nº 1/2020 que dispõe sobre a continuidade dos serviços de cirurgia bariátrica e metabólica em hospitais da rede pública e privada. A entidade entende que a paralisação dos serviços compromete a saúde de pacientes portadores de doenças graves e ou/crônicas como a obesidade e o diabetes e que a sua postergação pode resultar no aumento da morbidade e da mortalidade. As cirurgias bariátrica e metabólicas devem ser feitas, preferencialmente, em instituições que tenham fluxo de atendimento independente do atendimento aos casos de COVID 19, com salas cirúrgicas isoladas e ambiente controlado.

Segundo o relator Leonardo Emílio da Silva, paralelo aos casos de infecção pelo novo coronavírus existem doenças que elevam o índice de morbidez no Brasil, em particular a obesidade e o diabetes.

O conselheiro levou em consideração os números da última Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) que apontou que 55,7% da população adulta no país tem excesso de peso e que 19,8% é obesa; e os dados do 16º Boletim Epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde que aponta o diabetes como quarta principal causa de morte em homens e a terceira causa em mulheres.

No pré-operatório, o CFM recomenda que sejam adotadas estratégias de triagem de possível contato dos pacientes com portadores de COVID-19 e realização de testes de diagnóstico. Em casos de sintomas respiratórios, febre ou suspeita clínica de infecção pelo coronavírus, a cirurgia deve ser adiada.

No pós-operatório, o CFM recomenda que os critérios para a alta do paciente devem ser os mesmos do período anterior à pandemia. Além disso, em relação a assistência ao paciente após a cirurgia, o Conselho sugere que as equipes disponibilizem assistência nutricional, clínica e psicológica remota – via telemedicina – para auxiliar no distanciamento social sem comprometer o acompanhamento.