Segundo números do levantamento do Conselho Nacional de Secretários da Saúde e do Ministério da Saúde, já foram registradas mais de 160 mil mortes causadas pelo Covid-19 no Brasil. Nesse contexto, o estresse exacerbado e a decorrência do luto nas pessoas que não conseguiram se despedir de seus familiares ou entes queridos podem desencadear transtornos mentais, como os relacionados à ansiedade e depressão1,2, e aumentar os sentimentos de solidão e raiva3. Como lidar com os momentos difíceis e a intensificação dos problemas psíquicos e emocionais? Quais os reais impactos da pandemia e como lidar com o pós-pandemia? 

Para responder a estas perguntas pertinentes e atuais, e outras mais sobre o tema, sugerimos entrevista com os psiquiatras Ary Gadelha, professor do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e um dos autores desse capítulo no Guia de Saúde Mental Pós-PandemiaLuis Augusto Rohde, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador geral do Guia; ou com Luiz Vieira, gerente médico da Upjohn, divisão da Pfizer focada em doenças crônicas não-transmissíveis. 

Abaixo, informações que podem ser abordadas na conversa: 

  • Em situações atípicas, como a atual pandemia, muitas vezes as respostas ao estresse podem incluir aumento dos sintomas de ansiedade e humor, tais como desamparo, preocupações contínuas e exacerbadas acerca da própria saúde e com a saúde de pessoas próximas, alterações no sono ou nos padrões alimentares, dificuldade de concentração, agitação, culpa, irritabilidade, apatia e desânimo4. Assim, muitas das consequências previstas da quarentena são fatores de risco essenciais para problemas de saúde mental. Isso inclui suicídio e autoagressão, abuso de álcool e substâncias, jogos de azar, e abuso doméstico e infantil5
  • O estresse também influencia os processos de tomada de decisão, alterando a avaliação das opções, o processamento das consequências e a sensibilidade aos retornos e riscos6. Por isso, as respostas a eventos estressantes podem incluir um aumento nos comportamentos de risco, como maior uso de álcool, tabaco e outras drogas7, ou mesmo exposição a situações que aumentam as chances de contágio, como sair de casa corriqueiramente e de forma desprotegida, ficar em meio a multidões ou lugares fechados, ou negligenciar hábitos de higiene pessoal. 
  • O crescimento dos comportamentos de risco e o isolamento social têm o potencial de promover e agravar a fisiopatologia, desregulando os principais processos biológicos, como a inflamação e os sistemas de resposta ao estresse8. Essa desregulação, há muito tempo, vem sendo diretamente associada ao aumento da incidência de sintomas de ansiedade e depressão9
  • Existem algunsquadros de psicopatologia relacionados ao trauma e aos fatores estressores. A presença destes transtornos mentais exige uma avaliação diagnóstica criteriosa e atenção especializada em saúde mental10, 11. É o caso do Transtorno de Estresse Pós-Traumático, caracterizado pelo desenvolvimento de sintomas com duração superior a um mês, causando sofrimento clinicamente significativo e prejuízo social, funcional ou em outras áreas; o Transtorno de Estresse Agudo, em que o indivíduo apresenta diversos sintomas, com duração de três dias a um mês depois de um acontecimento estressor potencialmente traumático, com sofrimento clinicamente significativo e prejuízo social, funcional ou em outras áreas; e o Transtorno de Adaptação caracterizado pela presença de sintomas emocionais ou comportamentais, ocorrendo dentro de três meses, em resposta a um estressor identificável.  
  • Uma das consequências da pandemia é o grande número de pessoas que sofreram perdas, entre parentes e amigos. Nesse contexto, a discussão sobre o luto ganha especial relevância. Os rituais de despedida e o suporte de outras pessoas são importantes no processo de aceitação e adaptação. Em algumas situações, por características psicológicas da pessoa que sofreu a perda, da relação que existia com a pessoa que morreu, ou pelas circunstâncias da morte, esse processo de adaptação pode não ocorrer, levando a quadros de desadaptação, como o Transtorno de Luto Prolongado ou o Transtorno de Luto Complexo Persistente10, 11, e demandam intervenção especializada.  

REFERÊNCIAS 

  1. Dar KA, Iqbal N, Mushtaq A. Intolerance of uncertainty, depression, and anxiety: examining the indirect and moderating effects of worry. Asian J Psychiatr. 2017 Oct;29:129-33. doi: 10.1016/j.ajp.2017.04.017. 
  2. Zhang J, Wu W, Zhao X, Zhang W. Recommended psychological crisis intervention response to the 2019 novel coronavirus pneumonia outbreak in China: a model of West China Hospital. Precis Clin Med. 2020 Feb 18;3(1):3-8. doi: 10.1093/pcmedi/pbaa006. 
  3. Xiang YT, Yang Y, Li W, Zhang L, Zhang Q, Cheung T, et al. Timely mental health care for the 2019 novel coronavirus outbreak is urgently needed. Lancet Psychiatry. 2020 Feb 4;7(3):228-9. doi: 10.1016/S2215-0366(20)30046-8. 
  4. Hall RCW, Hall RCW, Chapman MJ. The 1995 Kikwit Ebola outbreak: lessons hospitals and physicians can apply to future viral epidemics. Gen Hosp Psychiatry. 2008 Sept-Oct;30(5):446-52. doi: 10.1016/j.genhosppsych.2008.05.003. 
  5. Mahase E. Covid-19: mental health consequences of pandemic need urgent research, paper advises. BMJ. 2020;369:1-2. doi: 10.1136/bmj.m1515. 
  6. Brymer M, Jacobs A, Layne C, Pynoos R, Ruzek J, Steinberg A, et al. Psychological first aid – field operations guide. 2nd ed.  Washington (DC): NCTSN and NCPTSD; 2006. Available from: https://www.nctsn.org/sites/default/files/resources//pfa_field_operations_
    guide.pdf. 
  7. Starcke K, Brand M. Decision making under stress: a selective review. Neurosci Biobehav Rev. 2012 Apr;36(4):1228-48. doi: 10.1016/j.neubiorev.2012.02.003. 
  8. Suvarna B, Suvarna A, Phillips R, Juster RP, McDermott B, Sarnyai Z. Health risk behaviours and allostatic load: a systematic review. Neurosci Biobehav Rev. 2020 Jan;108:694-711. doi: 10.1016/j.neubiorev.2019.12.020. 
  9. Friedman EM, Hayney MS, Love GD, Urry HL, Rosenkranz MA, Davidson RJ, et al. Social relationships, sleep quality, and interleukin-6 in aging women. Proc Natl Acad Sci U S A. 2005 Dec 20;102(51):18757-62. doi: 10.1073/pnas.0509281102. 
  10. Plotsky PM, Owens MJ, Nemeroff CB. Psychoneuroendocrinology of depression: hypothalamic-pituitary-adrenal axis. Psychiatr Clin North Am. 1998 Jun 1;21(2):293-307. doi: 10.1016/s0193-953x(05)70006-x. 
  11. American Psychiatric Association. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5a ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.