Alexandra Gray*

A pandemia de Covid-19 uniu os sistemas de saúde em todo o mundo com um propósito comum: garantir a capacidade de ajudar aqueles que foram afetados pelo coronavírus e minimizar seu impacto na saúde e no bem-estar das pessoas e de suas comunidades. Atuando como um desregulador radical da maneira “normal” de se fazer as coisas, a pandemia de Covid-19 acelerou as transformações na área da saúde em um ritmo sem precedentes. Nunca hospitais e organizações de saúde foram forçados a mudar tão radicalmente em um período de tempo tão curto. Vimos serviços de cuidados intensivos sendo executados virtualmente usando tecnologias digitais; organizações capacitando rapidamente funcionários e mobilizando cuidadores voluntários em grande escala; destruição de silos de local de trabalho para garantir que pacientes recebessem cuidados integrados; soluções arquitetônicas criativas para gerenciar fluxos de entrada e saída de pessoas em hospitais como parte do controle de infecções.

Essas mudanças, em muitos casos, incorporaram um redesenho fundamental dos serviços, com profundas implicações tanto para a equipe quanto para os pacientes. Embora a principal catalisadora para as mudanças tenha sido a necessidade urgente de controle da infecção pelo coronavírus, é notável que algumas delas tenham sido priorizadas para os sistemas de saúde, nos quais havia progresso limitado antes da pandemia. Este cenário pandêmico forneceu um novo contexto, que permitiu que suposições e normas anteriormente arraigadas sobre como o atendimento deve ser prestado fossem reexaminadas com urgência e, se necessário, alteradas. Para apoiar sua comunidade a perceber os benefícios dessas mudanças, a Federação Internacional de Hospitais (IHF, do inglês International Hospital Federation) estabeleceu a Força-Tarefa “Além da Covid-19”.

Composta por membros da IHF e parceiros estratégicos de toda a comunidade internacional de saúde, a Força-Tarefa foi encarregada de apoiar os hospitais na adoção de práticas realizadas durante a pandemia de Covid-19, que transformaram beneficamente os serviços de saúde e, portanto, devem ser sustentadas no futuro. Baseando-se diretamente nas experiências da Força-Tarefa “Além da Covid-19”, da IHF e suas redes, a entidade publicou um novo relatório que oferece insights sobre como os hospitais podem abraçar novas formas de prestação de cuidados de saúde: “Construindo o ‘novo normal’: aproveitando as práticas transformadoras da pandemia de Covid-19”. Uma seleção de estudos de casos detalhados acompanha esta publicação, oferecendo mais profundidade às mudanças transformadoras incluídas no relatório.


DE QUE FORMA OS HOSPITAIS SE TRANSFORMARAM?
Como parte de sua responsabilidade, a Força-Tarefa identificou áreas potenciais de transformação em três temas diferentes: entrega e acesso; abastecimento, logística e infraestrutura; e pessoas. A seguir, estão descritas um pouco das transformações realizadas durante a pandemia. Algumas dessas mudanças não são ideias novas, mas a crise do coronavírus agiu como um catalisador para sua ampla aceleração e adoção.

  1. Aproveitando a tecnologia digital para prestar atendimento 

Em relação à entrega e ao acesso, uma das maiores mudanças de serviço no Setor Saúde foi a adoção generalizada da telessaúde e da telemedicina. Dado o alto risco de transmissão do coronavírus por meio do contato pessoa a pessoa, a pandemia acelerou uma expansão sem precedentes na telessaúde em todo o mundo. A Força-Tarefa descobriu que modelos de telessaúde foram implementados na triagem em grande escala de pacientes antes das visitas ao hospital e avaliação de triagem; na prestação de cuidados de rotina no domicílio; e, também, no monitoramento remoto de pacientes por especialistas externos.

A telessaúde síncrona (uso de tecnologia audiovisual para permitir que médicos e pacientes se comuniquem em tempo real) tornou-se uma opção particularmente valiosa para fornecer continuidade no cuidado e no tratamento durante a pandemia de Covid-19. A telessaúde permite que os médicos forneçam consultas de rotina por meio de vídeo e monitorem sinais clínicos de certas condições remotamente (ou seja, pressão arterial), por intermédio de “vestíveis” de saúde. Isso minimiza as interrupções nos planos de cuidados e tratamento dos pacientes e reduz o risco de se contrair o coronavírus, eliminando viagens para um ambiente clínico para tratamento – algo particularmente benéfico para grupos de pacientes vulneráveis, como idosos ou aqueles com comorbidades.

A telessaúde síncrona também está bem posicionada para ajudar os sistemas de saúde no combate à escassez de profissionais. Globalmente, a pandemia do coronavírus exacerbou as deficiências na força de trabalho da saúde – em particular, a falta de equipe especializada para trabalhar em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). O aproveitamento das tecnologias de telessaúde permite que os hospitais otimizem suas capacidades clínicas. Usando o monitoramento remoto, um especialista pode monitorar vários pacientes ao mesmo tempo, em diferentes locais, de modo que os médicos gastem menos tempo movendo-se fisicamente entre os pacientes, e, assim, podem aumentar o número de pessoas a serem tratadas. Por sua vez, isso pode reduzir o tempo de espera por consultas e, pelo menos parcialmente, compensar a escassez de mão de obra causada pela Covid-19.

  1. Uma revolução silenciosa no design dos hospitais

Fornecimento, logística e infraestrutura são dimensões críticas de um hospital funcionando com sucesso. Aprendendo com as transformações feitas durante a pandemia de Covid-19, os hospitais devem se afastar de paradigmas “fixos” de abastecimento, logística e infraestrutura para modelos mais adaptativos, que podem ser flexíveis para atender às necessidades de um hospital de forma mais eficiente.

Além disso, os hospitais terão que examinar como seus ambientes físicos e suas infraestruturas técnicas podem ser adaptados para permitir uma maior flexibilidade na resposta a situações de saúde excepcionais no futuro. Em relação ao fornecimento e à infraestrutura, a Força-Tarefa da IHF descobriu que as organizações de saúde e os hospitais adotaram três abordagens principais para fazer mudanças duradouras em seus ambientes em resposta à Covid-19:

  • Reorganização do próprio serviço de saúde:
    • Para acomodar melhor os pacientes com Covid-19 dentro de um hospital, adaptações espaciais e organizacionais foram implementadas, incluindo a reorganização das rotas e dos fluxos internos de tráfego de pedestres, para separar aqueles infectados por coronavírus daqueles sem o vírus.
  • Criação de estruturas de emergência:
    • Em certos casos, os hospitais instalaram módulos pré-fabricados (por exemplo, contêineres de transporte), que foram reprojetados e modificados para responder às necessidades da emergência no atendimento a pacientes com Covid-19.
  • Conversão de estruturas não sanitárias existentes:
    • Alguns hospitais dedicaram prédios inteiros ao atendimento ao paciente com Covid-19, e, assim, desenvolveram áreas não relacionadas à saúde em seus campuses (como academias de funcionários e unidades de armazenamento), que estavam subutilizadas ou abandonadas.
  1. Cuidado compassivo em uma crise 

Muitos hospitais implementaram medidas de controle rigorosas para proteger os pacientes, os familiares e os funcionários do risco de infecção por coronavírus. Com essas restrições, parentes e cuidadores de pacientes não podem mais fazer visitas pessoais, e, assim, os profissionais de saúde tornam-se o principal elo entre os pacientes e suas famílias. Além disso, para a equipe do hospital, especialmente aquelas pessoas que trabalham em UTIs, as restrições de visita criaram dificuldades maiores para manter famílias e cuidadores informados sobre o progresso do paciente, discutir opções de tratamento e garantir que aqueles em fase de fim de vida sejam capazes de ter o conforto de parentes.

A necessidade de distanciamento social para prevenir a transmissão do coronavírus é bem compreendida, mas uma abordagem humana às políticas de visitação em hospitais e lares de idosos não precisa ser incompatível com uma resposta efetiva à pandemia. Passar um tempo no hospital pode ser uma experiência que gera ansiedade, ainda mais durante uma pandemia desafiadora: a comunicação é vital para o bem-estar mental dos pacientes. Durante a crise da Covid-19, muitos hospitais iniciaram visitas virtuais pela primeira vez, usando iPads e aplicativos de videoconferência para combater a solidão e o isolamento social sentido pelos pacientes, conectando-os com suas famílias e seus cuidadores.

INDO ALÉM DA COVID-19
Conforme os hospitais entram em sua fase de recuperação pós-Covid-19 e começam a lidar com o acúmulo de cuidados e necessidades não atendidas causados ​​pela pandemia, eles precisarão manter a abertura para a inovação radical e aprender com o que tornou essa resposta possível. A capacidade dos sistemas de saúde de responder e se recuperar desta crise sem precedentes irá variar significativamente: a necessidade de improvisar e de se adaptar continuará no futuro previsível, garantindo que, quando a próxima crise de saúde pública chegar, os hospitais estejam preparados. Na IHF, continuamos comprometidos em apoiar nossa comunidade global para enfrentar esse desafio.

* Gerente de Programa da Secretaria da Federação Internacional de Hospitais (IHF). Supervisionou o trabalho da Força-Tarefa “Além da Covid-19”. Atualmente, está liderando o desenvolvimento do Fórum de Mulheres Executivas da Federação e atividades de mudança climática na saúde.