Em vez de leitos improvisados em estádios, por que não os contratar na rede privada?

Para a FBH, medida seria a mais assertiva no enfrentamento ao pico da epidemia, uma vez que, com um único investimento, poderia integrar ao sistema estruturas que já estão prontas para atender, além de ajudar os pequenos hospitais a superar os reflexos da crise

O Brasil enfrenta uma crise sanitária cujos impactos e dimensão ainda não são possíveis de se mensurar. Como quem se prepara para o pior cenário possível, governadores e prefeitos iniciaram, nas últimas semanas, uma escalada de medidas emergenciais para garantir que leitos hospitalares e ventiladores pulmonares não venham a faltar nos momentos de pico da epidemia de Covid-19, que poderá acontecer entre meados dos meses de maio e junho. Por todo país, estão sendo construídas, com investimento público, centenas de estruturas hospitalares improvisadas, algumas em estádios de futebol, outras em ginásios de esportes ou centros de convenções. A medida é elogiada por diversos especialistas do setor, sobretudo porque, certamente, serão necessárias. Entretanto, há um outro cenário que poderia ser melhor estudado e cujos resultados seriam mais imediatos e menos onerosos.

Para a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), entidade que congrega mais de 4.200 hospitais em todo o país, a contratação de leitos da rede privada seria a solução mais assertiva para o enfrentamento do pico da epidemia de Covid-19. O problema é que a discussão pouco vem sendo colocada em pauta. “O Brasil conta com uma rede hospitalar cuja maioria das unidades, 57% dos hospitais, é considerada de pequeno porte, ou seja, com até 50 leitos. Muitos destes hospitais são a única opção para populações de inúmeros municípios do interior, localizados fora dos grandes centros urbanos. Com a suspensão das cirurgias eletivas, como medida de prevenção à epidemia, grande parte destes hospitais vão entrar numa perigosa recessão financeira, que poderá levar muitos ao fechamento”, adverte o presidente da FBH, Adelvânio Francisco Morato.

Ele chama a atenção para o fato de a epidemia não se manifestar de forma homogênea em todo o território nacional, o que permite que estados que ainda não foram atingidos pela crise possam estudar a possibilidade. “Muitos desses hospitais, que são considerados de pequeno e médio portes, além de já contarem com toda a estrutura pronta e em condições de atender, poderiam ter a sua capacidade de atendimento ampliada com um investimento menor do que o que tem sido realizado em estruturas improvisadas em estádios de futebol e centros de convenção, por exemplo”, complementa Morato.

Entretanto, de acordo com ele, o debate precisa ser priorizado, inclusive nas Casas legislativas. Ainda há cidades onde hospitais privados e profissionais de saúde estão sendo pouco demandados para atendimentos de Covid-19. “O Brasil conta com mais de 260 mil leitos na rede privada. Milhares de nossos hospitais estão prontos para se integrar e receber os pacientes do SUS. Acreditamos que esta seria a melhor medida, uma vez que destinaria os recursos para estabelecimentos que já estão prontos e que têm qualidade para ofertar os serviços, além de ajudá-los, sobretudo neste momento em que já estão sofrendo severamente com os impactos econômicos desta epidemia”, reforça Morato.

***

(BOX 1) 

FBH se soma ao Ministério da Saúde na implementação do Plano de Contingência ao Coronavírus

Os esforços empreendidos pela FBH para se somar à implementação do Plano de Contingência contra o Coronavírus no Brasil tiveram início ainda no mês de fevereiro, quando a entidade colocou à disposição do Ministério da Saúde seu corpo técnico de consultores para auxiliar na tomada de decisões.

No início do mês de março, a convite da Pasta, a FBH passou a integrar o Grupo de Especialistas do Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública (COE-GAHOC). O objetivo do Grupo é concentrar esforços, de diferentes órgãos do setor, para implementar ações assertivas, em todos os níveis de atenção, no enfrentamento a um possível surto de Covid-19, o qual já se desenhava. Uma das primeiras medidas adotadas foi a implementação de um fluxograma para padronizar os atendimentos nas urgências hospitalares de todo o país. Outra foi criar suporte para orientar os profissionais de saúde sobre as medidas que deveriam ser preconizadas.

De lá para cá, a FBH, em união com outras entidades representativas do setor, a exemplo da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) e da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), tem apresentado ao governo federal as propostas do setor para enfrentar desafios importantes relacionados à escassez de suprimentos e à prática de preços abusivos, entre outras. 

***

(BOX 2) 

ENTREVISTA

Os HPPs, sejam públicos, sejam privados, são extremamente necessários e já fazem parte da rede local de atenção à saúde do SUS”

Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM)

Para compreender melhor os impactos da epidemia de Covid-19 no funcionamento dos hospitais de pequeno e médio portes espalhados pelo país, a Visão Hospitalar conversou com o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi. A entidade representa os pleitos dos 5.568 municípios do país, que, juntos, respondem por quase 80 mil leitos hospitalares.

De acordo com ele, ao longo dos anos, e diante da indefinição sobre as responsabilidades sanitárias de cada ente federado, os municípios foram incorporando às suas competências serviços que, hoje, mostram-se como “grandes gargalos” para a gestão municipal, sobretudo pelo alto esforço de custeio que exigem. “Os hospitais de pequeno porte (HPPs) passaram a desempenhar papel fundamental na retaguarda da atenção primária à saúde (APS), como resolutivo dos procedimentos de média e, em alguns casos, até de alta complexidade.”

Aroldi complementa que a importância dessas unidades passa a ser ainda maior, principalmente porque, em municípios de menor porte populacional e mais distantes dos grandes centros urbanos, “os HPPs, sejam próprios da administração municipal, sejam privados, com destaque para os filantrópicos, são extremamente necessários e já fazem parte da rede local de atenção à saúde do SUS, nos diferentes níveis de complexidade”. Veja a entrevista completa a seguir.

VISÃO HOSPITALAR No Brasil, a maioria dos hospitais existentes (57,3%) é considerada de pequeno porte (HPP), ou seja, com até 50 leitos. Muitos destes hospitais são a única opção de populações de inúmeros municípios do interior, localizados fora dos grandes centros urbanos. Qual é a importância destes hospitais, muitos deles prestadores de serviços, para o sistema de saúde brasileiro?

Glademir Aroldi Muitas foram as responsabilidades descentralizadas para os municípios. O SUS, formado por uma rede regionalizada e hierarquizada, foi uma dessas responsabilidades que o município assumiu. Mas, por ausência de uma definição clara das competências de cada ente, muitos foram além da sua capacidade. Vale ressaltar que, estando mais próximos das pessoas, pois são nas cidades que as pessoas vivem e buscam serviços públicos, os municípios, aos poucos, foram se adequando e se estruturando para atender às demandas locais. Do total de leitos hospitalares (591.455), cadastrados junto ao SCNES, mais de 79,5 mil leitos são municipais. Quando esses dados são avaliados segundo a gestão dos leitos hospitalares, verifica-se que mais de 62% do total cadastrado está sob a responsabilidade da esfera municipal. Por outro lado, as referências se tornaram um gargalo. Com isso, os hospitais de pequeno porte (HPPs) passaram a desempenhar papel fundamental na retaguarda da atenção primária à saúde (APS), como resolutivo dos procedimentos de média e, em alguns casos, até de alta complexidade. Para os municípios de menor porte populacional e mais distantes dos grandes centros urbanos, os HPPs, sejam próprios da administração municipal, sejam privados, com destaque para os filantrópicos, são extremamente necessários e já fazem parte da rede local de atenção à saúde do SUS, nos diferentes níveis de complexidade.

VISÃO HOSPITALAR Quais são as principais dificuldades que as administrações municipais têm enfrentado para, neste momento de epidemia do coronavírus, manter as unidades funcionando em condições de atender a toda a demanda necessária?

Glademir Aroldi Em se tratando da emergência em saúde pública e interesse internacional, ainda se observa que a situação não é uniforme no país, concentrando a transmissão do coronavírus em maior escala nas grandes cidades e nos centros urbanos. Os municípios menores já estão se antecipando e declarando emergência em saúde pública, com a finalidade de intensificar as ações e os serviços de prevenção, vigilância em saúde, educação em saúde e monitoramento de possíveis casos. Uma grande parcela do conjunto de municípios brasileiros ainda pode trabalhar de forma eficaz e eficiente as ações de prevenção, evitando a transmissão do novo coronavírus nos seus territórios. Entretanto, é observado que, nas localidades onde o coronavírus já é uma realidade, a falta de insumos, equipamentos, tecnologia, recursos humanos e financeiros, além da disponibilidade de referências da assistência especializada, em quantidades adequadas e suficientes para as demandas locais, é um grande entrave no enfrentamento desse novo desafio denominado Covid-19.

VISÃO HOSPITALAR As prefeituras estão precisando contratar profissionais de saúde? Há alguma orientação da CNM para as gestões municipais neste momento de crise, em que se constata a escassez de equipamentos básicos, além da prática abusiva de preços?

Glademir Aroldi Essa realidade também não é uniforme. Até o momento, não se sabe a demanda exata de todos os 5.568 municípios a respeito de recursos humanos por conta da pandemia do novo coronavírus. Certamente, os HPPs serão de suma importância nessa rede de assistência às vítimas da Covid-19. A aquisição de EPIs, equipamentos (respiradores mecânicos) e insumos para atender a essa nova demanda já se configura como um enorme desafio para a gestão municipal. Como forma de apoiar os municípios nesta crise sanitária nacional e mundial, a CNM desenvolveu, em seu Portal, uma página específica com algumas orientações técnicas, jurídicas e administrativas, que podem auxiliá-los nas ações necessárias para combater e prevenir o novo coronavírus. Uma ferramenta fundamental do Portal que se encontra disponível à gestão municipal é o Plano Municipal de Contingência do novo Coronavírus, que deve conter todas as ações de prevenção, vigilância, assistência, controle e monitoramento, bem como a previsão orçamentária necessária para a execução destas ações de enfrentamento à pandemia.

VISÃO HOSPITALAR  Quais têm sido as principais reivindicações da CNM junto ao Executivo e ao Legislativo neste momento de epidemia? 

Glademir Aroldi Na área da Saúde, são inúmeras as demandas encaminhadas ao governo federal, em especial ao Ministério da Saúde, algumas recorrentes e históricas, outras mais recentes e decorrentes da corrida para se evitar a disseminação do novo coronavírus no território nacional, mas podemos listar as mais importantes para este momento, como:

  • Aporte financeiro extra de custeio das ações e dos serviços básicos de saúde;
  • Normatizar e regular a distribuição e a comercialização de equipamentos, insumos e produtos necessários para o enfrentamento ao novo coronavírus;
  • Autorizar a utilização dos saldos de recursos financeiros federais que se encontram nas contas bancárias dos blocos antigos de financiamento da saúde;
  • Prorrogação imediata e automática dos contratos dos profissionais médicos do 13º  Ciclo do Programa Mais Médicos;
  • Nova contratação de profissionais para substituir os médicos do 13º Ciclo do Programa Mais Médico;
  • Autorizar a contratação de profissionais médicos brasileiros e estrangeiros, que se encontram em cadastro reserva do Programa Mais Médicos, de forma direta pelos municípios que tiverem necessidade e interesse;
  • Autorizar temporariamente a atuação profissional de médicos brasileiros e estrangeiros formados no exterior e que ainda não se submeteram ao Revalida;
  • Reordenar as visitas domiciliares dos ACS e ACE;
  • Disponibilizar aos municípios brasileiros, em caráter de urgência, plataforma/aplicativo (APP) de identificação, monitoramento, rastreabilidade e orientação remota dos casos suspeitos e confirmados de infecção pelo novo coronavírus (Covid-19), possibilitando às equipes de Atenção Primária à Saúde e Vigilância em Saúde agilidade e efetividade no controle da transmissão.