Andréa Prestes*

“Se a canoa não virar, olê olê olê olá, eu chego lá”. Fazendo uma analogia a esta famosa marchinha de Carnaval, era assim que boa parte das organizações em saúde posicionavam-se no mercado antes da pandemia, muitas destas com resultados satisfatórios, pois, apesar de a canoa balançar, ela ainda não havia virado. Ao compararmos o status quo da canoa sobre as águas por vezes turbulentas, que se deixa levar pela correnteza mesmo sem conhecer o percurso navegado, com as instituições de saúde, que, ao não possuírem uma estratégia clara e declarada, apenas reagem à pressão do cenário externo, percebemos que ambas correm o risco de afundar. Se mesmo antes da pandemia esta postura já era um perigo eminente para a sobrevivência dos hospitais, o que há de se falar a partir de agora que a canoa virou? A pandemia trouxe à tona problemas já existentes, grande parte deles camuflada e contida em meio à rotina e à pressão diária que recaem sobre os gestores hospitalares.

Há tempos os hospitais vêm lutando pela sobrevivência no mercado, diante de várias necessidades de superação, a exemplo das novas tecnologias, tanto de equipamentos quanto de medicamentos, associada à obrigação de se manter em conformidade com as diversas legislações existentes, sem falar da enorme carga tributária que incide sobre estas organizações. Ainda, na busca de garantir a segurança e a qualidade nos cuidados prestados aos pacientes, esforçam-se para estar em consonância com as guidelines existentes. Isso tudo é desafiador. Não é por menos que grandes estudiosos da gestão consideram o hospital como uma das organizações mais complexas de se administrar.

A par de toda essa complexidade, como é possível promover uma gestão eficiente, apoiada nas melhores práticas e metodologias, a fim de fazer frente aos conhecidos desafios atuais e aos desconhecidos que estão por vir? Em um primeiro momento, parece paradoxal a tentativa de organizar ou criar métodos para administrar em um cenário cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo, o chamado mundo VUCA. O mercado, há tempos, vem mostrando a inevitabilidade da reinvenção constante; contudo, apenas com a pandemia é que boa parte das organizações de saúde compreendeu esta necessidade. E agora, o que será capaz de contribuir para uma sobrevida saudável aos hospitais? Qual é a estratégia?

Neste momento, podemos dizer que a estratégia é “ter estratégia”. Falar sobre estratégia não é papo de teórico, de administrador ou de consultor. Este assunto deveria ser a pauta de todos os gestores hospitalares que estão à frente das instituições. Além de ter uma estratégia, ela precisa ser clara e conhecida de todos os que compõem a organização. É crucial que os colaboradores saibam por que realizam o seu trabalho diário; a razão das metas; qual é o sentido dos projetos de melhoria contínua e da racionalização de custos; e outros tantos assuntos demandados no dia a dia organizacional. As pessoas tendem a aderir e a participar daquilo que conhecem e acreditam. Se não souberem o que o hospital espera de suas ações, a mensagem que pode ficar é de que qualquer resultado serve, e, assim, a tendência é de que ajam de acordo com os seus interesses individuais, e não em função de um propósito coletivo institucional.

O gestor hospitalar deve estar atento à definição ou à reavaliação da estratégia, na busca de incluir ferramentas, processos e direcionamentos capazes de gerar mais segurança e clareza para a atuação dos colaboradores e fornecer uma prospecção embasada no enfrentamento de momentos adversos. É fundamental que exista uma avaliação cultural para evidenciar a possibilidade atual de implementar as transformações previstas e de levantar os fatores essenciais a serem trabalhados internamente, a fim de garantir o sucesso do planejado. Sabendo que a cultura organizacional é capaz de se sobrepor à estratégia em um “conflito direto”, é primordial a existência de lideranças fortes e atuantes capazes de sustentar o processo de transformação necessário. É tarefa das lideranças, por meio de uma conduta congruente, promover o alinhamento e o engajamento dos colaboradores ao que se pretende.

E você, gestor hospitalar, sabe qual é a estratégia da sua organização? Ela está clara? Os seus pares e liderados possuem o mesmo entendimento? Quantas horas do seu dia, da sua semana ou do seu mês você investe em ações voltadas à estratégia do hospital que gere? Existe um planejamento comum para que as lideranças desenvolvam ações com suas equipes visando ao cumprimento da estratégia organizacional?

Cabe a cada gestor hospitalar o desafio de desvirar a canoa, apoiar, sustentar, preparar e direcionar as equipes para que sigam firmes, fortes, seguras e confiantes ao remar, até mesmo contra a maré, porém na mesma direção. O principal papel do gestor hospitalar é mostrar o caminho, é ser o suporte durante o percurso, é promover o engajamento de todos para que o resultado positivo seja cada vez mais possível, evidenciado, reconhecido e comemorado.

  •  1 Marcha do Remador. Composição: Antônio Almeida e Oldemar Magalhães.
  • 2  DRUCKER, P. O melhor de Peter Drucker: o homem, a administração, a sociedade. São Paulo: Nobel, 2002.
  • 3 MACKEY, S. R. H. Translating vision into reality: the role of strategic leader. Carlisle: US Army War College, 1992.


* CEO do Andréa Prestes Institute (API) e General Manager Portugal da American Accreditation Commission International (AACI).