Estudo aponta que pessoas tiveram percepção do tempo alterada durante o isolamento social

O tempo foi percebido como se estivesse sido aumentado, ou passando mais devagar, no início do isolamento social em decorrência da pandemia da Covid-19, sensação que diminuiu ao longo das semanas seguintes. Esse foi o principal resultado do estudo Time experience in social isolation: a longitudinal study during the first months of Covid-19 pandemic in Brazil* (Tempo de experiência em isolamento social: um estudo longitudinal durante os primeiros meses da pandemia de Covid-19 no Brasil), comandado por pesquisadores do Einstein e da UFABC, em parceria com colegas de instituições francesas, e publicado nesta quarta (13) na revista Science Advances.

O objetivo da pesquisa era entender se e como o isolamento social influenciou a consciência da passagem de tempo durante a pandemia. Para tanto, foram coletados dados, por meio de uma pesquisa online, de 3.855 brasileiros com idades entre 18 e 86 anos. Os entrevistados eram, em sua maioria, da região Sudeste (80,50%); mulheres (74,32%); com alto nível de escolaridade (curso superior, 71,78%); classe média-alta (33,08%); e atuavam nos setores de educação (19,43%) ou saúde (15,36%).

Embora essa amostra não seja representativa da população do país, possivelmente devido ao formato da pesquisa e ao processo de recrutamento, os pesquisadores explicam que isso não os impediu de abordar as questões da pesquisa e de tirar as conclusões. A maioria dos participantes relatou estar isolada socialmente em suas próprias casas por um período médio de 51 dias ao participar da primeira sessão (90,56%).

Os entrevistados preencheram o primeiro questionário aproximadamente 60 dias após o início das medidas de isolamento social no Brasil, e outros ao longo de 15 semanas (105 dias), enquanto as medidas estavam vigentes. Alterações na consciência do tempo foram fortemente associadas a fatores psicológicos como solidão, estresse e até a emoções positivas. Essa relação foi evidenciada entre os participantes e em seus sucessivos relatos. No fim das contas, as descobertas mostraram como as emoções são um fator crucial para se entender como o tempo é sentido.

Saúde mental

À medida que períodos prolongados de distanciamento social foram impostos em algumas partes do mundo, pessoas começaram a relatar alterações na saúde mental, incluindo mudanças no tempo subjetivo, o que envolve habilidades multidimensionais e interdependentes, tais como: perspectiva de tempo, que é a conceituação de um passado, um presente e um futuro; estimativa de tempo, relacionada à medição do tempo do relógio; e a consciência do tempo, que é a impressão subjetiva do tempo como se movendo rápida ou lentamente.

A experiência temporal não é imune a fatores contextuais e individuais e é modulada por diversas condições, como tédio, impulsividade, ansiedade, outras emoções e a rotina. O tempo subjetivo também é afetado em experimentos baseados em isolamento (por exemplo, pessoas isoladas em bunkers ou cavernas).

“Um aspecto fundamental dos experimentos fundamentados em isolamento é que eles se baseiam na remoção radical de quaisquer marcadores de tempo no ambiente (por exemplo, relógios e luz solar). O isolamento social decorrente das medidas de contenção da Covid-19, por outro lado, exigia que as pessoas ficassem em suas casas e ainda tivessem acesso a marcadores de tempo. Essa situação peculiar permitiu uma investigação mais sutil dos fatores que contribuem para distorções na estimativa de tempo e na percepção do tempo”, pondera Raymundo Machado de Azevedo Neto, pesquisador do Einstein que liderou o projeto junto com André Cravo, pesquisador da UFABC.

Até agora, os estudos que investigaram a percepção do tempo durante a pandemia apontaram um padrão misto de resultados. Por exemplo, três estudos, dois realizados na França e um na Itália, mostraram que as pessoas relataram principalmente a sensação de que o tempo estava passando mais devagar do que o habitual. Por outro lado, dois estudos no Reino Unido constataram que igual número de participantes relatou que o dia anterior havia passado de forma mais lenta ou mais rápida, sugerindo uma relação mais complexa entre a consciência do tempo e o isolamento social.

Estresse e tristeza

Os principais fatores associados à sensação de desaceleração do tempo nesses estudos foram: altos níveis de estresse, tédio e tristeza, baixos níveis de felicidade, depressão, pouca idade e insatisfação com as interações sociais. Esses estudos, no entanto, diferentemente do novo trabalho, tiveram três limitações principais: fazer uma única pergunta para caracterizar a percepção do tempo em vez de escalas de vários itens; nenhuma avaliação de outras dimensões da experiência de tempo, como estimativa de tempo; uma única avaliação durante as primeiras semanas do isolamento social em vez de uma avaliação prolongada, longitudinal, período de isolamento social.

Além disso, em vez de analisar apenas nas primeiras semanas de isolamento social, foram apresentados dados longitudinais coletados semanalmente durante cinco meses. Em todas as sessões, relatórios temporais foram combinados com medidas de estresse, bem-estar, afeto e outras escalas personalizadas, que foram usadas para investigar quais fatores estavam mais fortemente associados a diferentes aspectos da experiência temporal.

Também foram coletados relatos escritos de vivências dos participantes durante a participação para explorar possíveis vieses afetivos no período.

Por fim, a população amostrada era do Brasil, um país que teve alta incidência de casos e mortes por Covid-19. A crítica situação do país prolongou a necessidade de medidas de isolamento social e aumentou o desgaste emocional na população, o que pode ter salientado as mudanças na forma como as pessoas percebem o tempo.

“A sensação de maior pressão do tempo foi modulada pelo equilíbrio entre os níveis de estresse e a reserva de tempo para cuidados pessoais. Em conjunto, essas descobertas mostram como as emoções são um aspecto crucial de como o tempo é sentido”, conclui Azevedo Neto.

* André Mascioli Cravo¹, Gustavo Brito de Azevedo¹, Cristiano Moraes Bilacchi Azarias¹, Louise Catheryne Barne², Fernanda Dantas Bueno¹, Raphael Y. de Camargo¹, Vanessa Carneiro Morita³, Esaú Sirius Ventura Pupo¹, Renan Schiavolin Recio4, Mateus Silvestrin¹, Raymundo Machado de Azevedo Neto5.

1-Universidade Federal do ABC (UFABC) – Centro de Matemática, Computação e Cognição, BR

2-Département Traitement de l’Information et Systèmes, ONERA, Salon-de-Provence, FR

3-Institut de Neurosciences de la Timone, UMR7289, CNRS, Aix-Marseille Université, F13005 Marseille, FR

4-NeurUX – Soluções em Neurociência e Tecnologia Ltda, BR

5-Instituto do Cérebro, Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa – Einstein, BR