Por Felipe Nabuco

“Fique em casa” e o medo de contrair Covid-19 afastaram pacientes dos centros de saúde e diminuíram sobremaneira a quantidade de diagnósticos e acompanhamentos realizados em diversas especialidades. A suspensão de procedimentos eletivos pela ANS também foi decisiva para o esvaziamento dos hospitais

A pandemia causada pelo novo coronavírus provocou um estrago sem precedentes na organização sanitária e econômica do país, assim como no psicológico da população brasileira. Desde que os primeiros óbitos foram registrados, há pouco mais de três meses, o Brasil, pela sua extensão territorial, vivencia diferentes cenários epidemiológicos, com resultados igualmente diversos para as várias estratégias adotadas para o controle da epidemia. Contudo, uma imagem tem sido a mesma ao longo desse tempo: hospitais e centros de saúde da rede privada, que não atuam diretamente no enfrentamento à Covid-19, vazios. Sem pacientes, muito menos autorização para realizar cirurgias, centenas deles estavam atuando com apenas 30% de toda a sua capacidade operacional. 

Esse esvaziamento deu-se basicamente por dois motivos. O primeiro foi a orientação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para que os procedimentos eletivos fossem temporariamente suspensos. A estratégia era resguardar leitos, sobretudo de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), para pacientes com Covid-19, e evitar aglomerações nos centros de saúde. Já o segundo motivo diz respeito ao sentimento de pavor da população, que, aliado às necessárias orientações de isolamento social, bem como ao excesso de informações nos meios de comunicação, à circulação de fake news e ao próprio peso do número de vítimas acometidas pela doença, acabaram gerando medo no paciente de se expor e contrair a Covid-19, seja em atendimento no hospital, seja no deslocamento até a unidade.

As consequências desse esvaziamento impactam diretamente os indicadores de saúde da população brasileira, uma vez que incidem na diminuição acentuada do número de diagnósticos e tratamento de doenças graves, como o câncer e as doenças do coração, por exemplo. Mas também deixam marcas severas na economia dos estabelecimentos de saúde, que, uma vez largada à própria sorte, pode levá-los à falência. De acordo com estimativas da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), os impactos econômicos causados pelo esvaziamento das unidades afetam em 30% a 40% as receitas dos hospitais, volume que corresponde aos procedimentos eletivos, como cirurgias, por exemplo. 

“A rede hospitalar privada corresponde a 62% de todos os atendimentos realizados na rede pública. Se, desde o início desta pandemia, fosse adotada a medida de contratar leitos da iniciativa privada, que já estavam devidamente prontos para receber pacientes, ao invés de fazer hospitais improvisados de campanha, teríamos, acredito, um cenário mais otimista em relação ao atendimento da população e à própria saúde financeira dos estabelecimentos, já que, dificilmente, teríamos unidades atuando de forma ociosa. Hoje, temos hospitais da rede privada que trabalham com apenas 30% de sua capacidade por falta de pacientes”, adverte o presidente da FBH, Adelvânio Francisco Morato.

De acordo com ele, é imprescindível que as atividades do Setor Saúde sejam retomadas com plenitude, sobretudo porque a rede já está devidamente preparada para retomar os atendimentos nas demais especialidades, com protocolos que garantem segurança a pacientes e profissionais de saúde. “Por isso, a FBH está encabeçando uma grande mobilização junto às suas associadas e às demais entidades parceiras do setor, para conscientizarmos a população sobre o necessário retorno às rotinas de cuidado à saúde com seu médico ou hospital. Neste período em que os procedimentos eletivos estavam suspensos, o país amargou péssimos indicadores para doenças graves”, complementa Morato.

Impactos na assistência

Os péssimos indicadores de saúde que o Brasil vem registrando, neste período de epidemia de Covid-19, alcança diversas áreas e preocupa significativamente especialistas. “Várias pessoas têm se mantido em casa e algumas doenças têm mostrado uma incidência aumentada, bem como, infelizmente, os suicídios e as agressões domiciliares. Também tem sido constatado um número crescente de casos de mortes súbitas atribuídas àquelas pessoas portadoras de insuficiência coronariana ou com predisposição a fenômenos tromboembólicos ou a acidentes vasculares encefálicos”, alertou o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Lincoln Lopes Ferreira, durante Reunião Técnica promovida pela Câmara dos Deputados, em 23 de junho, para tratar sobre o assunto.

Uma das áreas da Medicina mais impactadas pela epidemia foi a Cardiologia. Números da Sociedade Brasileira de Cardiologia Intervencionista mostram que houve uma queda de 50,3%, em março, e 73%, em abril, no total de angioplastias coronárias realizadas no país. Os dados comparam os atendimentos daqueles meses nos anos de 2019 e 2020. Também neste mesmo período (entre os meses de março e abril), o país registrou aumento de 31% nos óbitos por doenças cardiovasculares (no total, estes óbitos saltaram de 14.938, em 2019, para 19.573, em 2020).

De acordo com o levantamento, estão entre os estados que mais contabilizaram aumento no número de mortes por doenças cardiovasculares: Amazonas, com aumento de 94%; Pernambuco (85%), São Paulo (70%); Ceará (63%); Espírito Santo (45%); Alagoas (43%); Rio Grande do Norte (35%); e Pará (34%). Ao todo, 23 Unidades Federativas registraram aumento de mortes por causas cardíacas.

Os impactos nos tratamentos oncológicos também são irreversíveis. De acordo com um estudo realizado pelas Sociedades Brasileiras de Patologias e de Cirurgia Oncológica, estima-se que, no país, 50 mil pessoas já deixaram de ser diagnosticadas com câncer, desde o início da pandemia. As entidades alertam que somente no mês de abril, cerca de 70% das cirurgias oncológicas agendadas foram adiadas.

No combate ao câncer, o diagnóstico precoce é fundamental para ampliar as chances de sucesso no tratamento. Porém, com o pavor que tem tomado parte da população e o medo desta de se expor e ser contaminada, especialistas têm notado uma redução na procura por consultas e realização de exames de rastreamento para identificação da doença. Vale ressaltar que, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o Brasil deve acrescentar cerca de 625 mil novos casos de câncer neste ano.

Há, ainda, relatos de impactos consideráveis em outras áreas da assistência, como na medicina diagnóstica, que vem registrando queda na busca por exames laboratoriais de rotina. Em Belo Horizonte, capital mineira e segundo maior mercado da saúde no país em número de estabelecimentos, esta queda já chega a 80% em alguns laboratórios, segundo a Sociedade Mineira de Cardiologia. Entre esses procedimentos estão exames de dosagem e concentração da glicohemoglobina, recomendados de duas a três vezes por ano, principalmente aos diabéticos.

“Nós não conhecemos o tamanho do inimigo, que é o coronavírus, nem a extensão dele, nem o tempo que ele vai permanecer. Todas as nossas instituições privadas ou filantrópicas tiveram uma redução de pacientes de mais de 50%. Esse esvaziamento em hospitais, laboratórios e clínicas tem vários motivos. Primeiro, pelo ‘fique em casa’. Decretos presidenciais e estaduais proibiram procedimentos eletivos, o que é correto, não há nada de incorreto nisso. Agora, temos que começar a fazer a retomada gradativamente, seguindo os protocolos existentes e criando novos. Eu me lembro de que, no início desta pandemia, usar corticoide era considerado loucura. Hoje me parece que é um medicamento usado com grande sucesso em fases avançadas da patologia. Então, veja bem que as coisas vão mudando ao longo dos tempos”, ressalta o deputado federal Pedro Westphalen (PP-RS).

Conscientização

Nos próximos meses, diversas entidades representativas da saúde suplementar no país estarão focadas em desmistificar o medo da Covid-19 e conscientizar a população brasileira sobre a importância de retomar as rotinas de atendimento médico, sobretudo para pacientes que já estão em tratamento. 

De acordo com Morato, a FBH vem debatendo a proposta com parlamentares e com as próprias gestões hospitalares por todo o país. “O que queremos é promover uma campanha que envolva representantes de todos os segmentos, o Congresso Nacional, o Ministério da Saúde, para conscientizarmos a população sobre a segurança do atendimento, já que ela está assustada. As pessoas precisam confiar na segurança dos nossos hospitais, e, neste momento crítico, uma campanha vai ajudar muito a tranquilizar”, conclui.