Projeto analisou a doença de forma multidimensional em abordagem inédita sobre o tema
Seis a cada dez brasileiros estão com sobrepeso no Brasil e cerca de 600 milhões de pessoas no mundo são consideradas obesas, conforme o IBGE e a OMS. Diante deste problema de saúde pública global, a Fundação Getulio Vargas realizou um estudo inédito sobre a obesidade no Brasil, a partir de uma proposta multidimensional e integrando diferentes fatores que podem levar a ocorrência da doença. A pesquisa identificou através de análises estatísticas que a idade, as condições socioeconômicas e a falta de atividade física são os principais fatores associados a prevalência da obesidade no país.
O estudo utilizou dados da Pesquisa Nacional em Saúde (PNS) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), ambas do IBGE. Com uma abordagem inédita, o objetivo da pesquisa é apoiar a criação de políticas públicas em saúde, aprofundando os conhecimentos acerca do tema e fazendo um mapeamento sobre as medidas mais efetivas de combate ao excesso de peso no mundo todo.
Atualmente, segundo dados da Pesquisa Nacional em Saúde a taxa de obesidade no Brasil é de 20,1%. No entanto, os pesquisadores da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) elaboraram uma projeção e constataram que em 2030, a taxa será de 24,5% da população, caso a doença permaneça com a mesma taxa de crescimento anual.
Apesar da obesidade ter crescido em países ricos e pobres, o estudo constatou que há um desequilíbrio entre consumo e gasto calórico nas populações de baixa renda. De acordo com a pesquisa, alguns motivos que apontam para uma vulnerabilidade maior nesta parcela da sociedade estão relacionados ao acesso a alimentos mais baratos e pobres em nutrientes, com alta densidade calórica. Além disso, a baixa escolaridade limita também o acesso as informações nutricionais, impactando nos hábitos alimentares dessa população.
O pesquisador e coordenador do estudo da FGV EESP, Marcio Holland, explica que muitas pessoas acreditam que a obesidade está associada principalmente ao consumo de determinados alimentos. No entanto, esse estudo indica que este fator é pouco relevante se for analisado de forma mais ampla.
“Ao comparar indivíduos com peso normal e com sobrepeso, não houve diferenças estatisticamente significantes no consumo calórico, com a diferença média sendo de 5 Kcal. Contudo, o estilo de vida e modo de trabalho, bem como o fato de um indivíduo residir em zonas urbanas, aumentam a probabilidade de excesso de peso”, afirmou Holland.
Obesidade infantil e envelhecimento populacional
O estudo alerta para o fato de que a obesidade infantil está bastante associada com a prevalência desta doença ao longo de toda vida de uma pessoa. Segundo os dados, há indícios de que os hormônios presentes no leite materno contribuem para a saciedade do bebê e essa pode ser uma estratégia para diminuir riscos de doenças crônicas como a obesidade. Neste cenário, a interrupção precoce do aleitamento materno e o modo de vida associado a meios de transportes, somado a um elevado viés de sedentarismo, são algumas das causas multidimensionais que contribuem para a obesidade infantil.
“Quanto mais adulto, maior a probabilidade de ficar obeso. Nosso país possui um envelhecimento da população bastante acelerado. Em média, nossa população envelhece três vezes mais rápido do que populações de outros países que já contam com uma sociedade mais envelhecida. Nas últimas décadas houve uma grande redução da população jovem no nosso país e o que a França demorou 150 anos para envelhecer, por exemplo, o Brasil fez isso em 50 anos”, destacou Holland.
Obesidade atinge homens e mulheres de formas diferentes
Dados da PNS apontaram a prevalência de 22% de obesidade em mulheres e 18% em homens, enquanto que a taxa de sobrepeso em homem é de 39% e 34% em mulheres.
“Este é um dado muito interessante visto que a obesidade de uma mulher não costuma ser tão grave quanto o sobrepeso de um homem. Isso porque o aumento de peso no público masculino é ligado a região do abdômen e a possibilidade de doenças cardiovasculares,”, informou Holland.
Por isso, o pesquisador acredita que a classificação da OMS para peso normal e sobrepeso poderia ser alterada com vista a categorizar homens e mulheres de forma equitativa, definindo graus de obesidade de acordo com seus respectivos fatores. “Assim, seria possível evitar ou reduzir o viés de gênero relacionado a esta doença”.
“A expectativa de vida das pessoas aumentou muito, nos últimos 50 anos, ao contrário do que diz o senso comum, a alimentação das pessoas em geral melhorou bastante. Esta melhoria veio acompanhada de mais acesso à saúde, campanha de vacinação, à água potável e diversas causas que aumentaram a expectativa de vida do ser humano. essas condições influenciam para que as pessoas fiquem mais altas, fortes, maiores e volumosas, e atualmente o indicador de obesidade pode não estar acompanhando essa evolução”, afirma Holland.
Obesidade causa outras doenças?
Não é nenhuma novidade que a prevalência de hipertensão, diabetes e colesterol alto chega a ser duas vezes maior em pessoas obesas. Os números da PNS indicam 41,5%, 13,4% e 21,7%, para o aumento de chance de obesos desenvolverem cada uma dessas doenças, respectivamente.
Além disso, algumas enfermidades respiratórias, como asma ou bronquite, também são mais frequentes entre as pessoas consideradas obesas (5,9%) do que entre as pessoas com peso normal (4,7%). O mesmo ocorre com os problemas relacionados à mobilidade, tais como artrite e problemas na coluna ou nas costas, que acometem respectivamente 11,3% e 24,9% desta parcela da população. Contudo, o professor alerta que esta associação merece um olhar mais cuidadoso.
“Muitas pessoas costumam se referir a obesidade como causadora de outras doenças, como hipertensão, diabetes e inúmeros tipos de câncer. Mas a obesidade não é necessariamente a causadora dessas outras doenças, ela está associada a elas”, declarou Holland ao afirmar que o estudo tentou está tentando entender a seguinte questão: se a obesidade está associada a outras doenças, quais fatores estão associados a ocorrência da obesidade em primeiro lugar?
Impacto da alimentação
Apesar de o modo de vida, a faixa etária e as questões socioeconômicas serem fatores mais relevantes para uma pessoa desenvolver a obesidade, ainda assim este estudo encontrou diferenças estatisticamente significantes no consumo de alguns alimentos, como carnes, panificados, doces, farinhas e massas, óleos e gorduras.
O consumo de leguminosas, como feijão e ervilha, e das oleaginosas, como amendoim e castanhas, estão associados às menores chances de engordar. O índice de probabilidade foi calculado em aproximadamente 4,1 e 2,7, respectivamente. Por outro lado, o consumo de proteínas de origem animal indica maiores chances de elevar o peso das pessoas, com probabilidade de 7,2 e 3,3.
“O consumo do clássico prato brasileiro, o famoso arroz com feijão, não traz riscos de aumento de peso. Porém, um outro costume do brasileiro que é o churrasco, devido ao consumo de carne vermelha, está associado a efeitos gritantes para o excesso de peso e obesidade, principalmente se forem associados a falta de prática de exercícios e ao consumo de bebida alcoólica”, pontuou o pesquisador.
Holland acrescenta que apesar dos riscos para esses diferentes itens, a alimentação semanal em população com peso normal e as populações com sobrepeso e obesidade não apresentaram diferenças estatisticamente relevantes. Por exemplo, a frequência semanal com que as pessoas consomem peixes ou suco natural de frutas é bastante semelhante entre os grupos definidos por diferentes categorias de IMC.
“É necessário tomar o cuidado para não posicionarmos os alimentos com maior probabilidade de causar a obesidade como o grande causador da mesma. É preciso associá-los aos outros fatores trazidos para esta discussão”.
Modo de vida e fatores além do alimento
Além de observar os modos de vida da população brasileira, o professor Holland acredita ser necessário observar esses fatos sob uma perspectiva mundial. Ele afirma que alguns fatores como globalização e a importação do modo de vida de outras culturas, sobretudo no que diz respeito ao modo de vida americano, que foi abraçado pelos brasileiros, também possuem influência quando o assunto é obesidade.
“Normas culturais como o tempo despendido em frente à televisão, sobretudo com a ascensão de streamings, permitem observar quão impressionante é o tempo que as pessoas ficam em frente à TV, potencializando o sedentarismo, que está associado ao aumento de peso. Este fator pode ser somado a essas questões genéticas e psicossociais, além de possíveis tratamentos que o indivíduo passou, entre outros inúmeros fatores”.
Metodologia
Esse estudo só foi possível de ser realizado porque hoje em dia a comunidade acadêmica conta com ferramentas tecnológicas, a exemplo do Machine Learning e Big Data, que permitem analisar grandes bases de dados.
“Comparamos os perfis de índice de massa corporal, pessoas com peso considerado normal, sobrepeso e obesidade, e cruzamos esses dados com a renda, o gênero e o perfil de consumo desses indivíduos. Foi a partir desta vinculação que conseguimos encontrar quais fatores estão, de fato, mais próximos da obesidade”, disse Holland ao ressaltar que dados estáticos não constroem regras, eles apenas indicam as variáveis a serem analisadas.
O pesquisador argumenta que grande parte das pesquisas brasileiras sobre o tema buscam por um fator causador, em vez de olhar para uma perspectiva mais integrada. Para ele, não há um único vilão e sim uma combinação de valores que estão por trás da prevalência desta doença.
“Se colocarmos, por exemplo, o consumo de açúcar como uma possível causa de obesidade, é claro que o pesquisador encontrará uma alta relação. Porém, se observarmos estatisticamente outros fatores como idade, gênero, atividade física, o fator ‘consumo de açúcar’ pode perder importância em meio a todos esses outros, por isso, é necessário sairmos desta falsa causalidade e passarmos a levar em consideração que não é somente um alimento que vai levar a obesidade, e sim o sistema alimentar, os modos de vida, a urbanização, a globalização e inúmeros outros fatores”.
Políticas Públicas
Esse estudo também pode auxiliar gestores na criação de políticas públicas, baseadas em evidências científicas. No passado, o governo adotou medidas para tentar diminuir a incidência de obesidade no país como tributar alguns produtos selecionados como causadores de aumento de peso.
“Atualmente, o tributo para alguns itens associados a obesidade, como bebidas adoçadas, está em torno de 37% a 45%. Nesta pesquisa, analisamos a efetividade de tributar esses produtos e fomos em busca de entender o consumo deles por parte das famílias brasileiras. Percebemos a irrelevância deste tipo de tributação para diminuir a obesidade, uma vez que sua incidência continua aumentando mesmo após alguns anos com a tributação alta”.
O pesquisador também exemplifica que se um refrigerante está caro, é provável que o consumidor substitua o item por outra bebida calórica. “É necessário pensar em políticas públicas que tratem a obesidade de forma multidimensional, abordando cuidados com a saúde, atividade física, consumo calórico, tudo ao mesmo tempo. Não há como separar, pois, nenhum produto emagrece ou engorda sozinho. Existe uma série de fatores que levam uma pessoa a engordar”.
Diante desta realidade, o projeto também se debruçou em mapear as políticas públicas para obesidade no mundo, e entre elas, destaca-se a rotulagem de produtos. Holland aponta que este tipo de medida corrobora com a pesquisa realizada pela FGV EESP, uma vez que ambos se escoram nos vieses de educação e conscientização sobre modos de consumir, como forma de tentar reduzir a obesidade.
“Alertar a população sobre o grau nutricional e controle de peso é importante, bem como saber o grau de sobrepeso e, principalmente, fazer com que a população perceba isso. Por isso, investir em conscientização através de rótulos, contar com o apoio da mídia para informar sobre o assunto, ter políticas públicas que proíbam determinados produtos em escolas, são exemplos de ações relevantes desde que sejam tratadas de forma integrada, e não isolada”.
Investir em políticas públicas para promover o transporte ativo, como bicicletas e caminhadas, melhorar as ciclovias e calçadas, limitar porções e tipo de alimentos consumidos em restaurantes, são outros exemplos que podem se enquadrar na prevenção multidimensional da doença, adotados em outros países.
Você pode conferir o estudo completo aqui Link