Remo H. M. Furtado, MD, PhD

Diretor de Pesquisa do Brazilian Clinical Research Institute  e Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP

No livro Eu, Robô, o romancista Isaac Assimov descreve uma série de contos sobre interações entre humanos e máquinas (os chamados autômatos) dotados de raciocínio e inteligência avançados, além do formato humanoide, sendo, portanto, capazes de executar tarefas com muito mais eficiência e velocidade que seus equivalentes humanos, inclusive, chegando a lugares de mais difícil acesso aos humanos por seus limites biológicos, como explorações espaciais. Entretanto, a fim de evitar um desastre e deixar o mundo à mercê do controle das máquinas, à programação de tais dispositivos foram incorporadas, as chamadas “Três Leis da Robótica”, um código de conduta que preconiza a inofensividade e obediência aos humanos, além do instinto de autopreservação das máquinas. Hoje, em 2023, será que a ficção cientifica vai enfim se tornar realidade? E quais serão as possibilidades, os limites e as potenciais preocupações desse da inteligência artificial (IA) na medicina?

Em primeiro lugar, a busca pela introdução da IA em medicina para resolver problemas do nosso dia a dia já data de alguns anos. Nos anos 90 e início dos anos 2000 alguns algoritmos já têm sido desenvolvidos a fim de reconhecer padrões de imagens, sobretudo em exames como os eletrocardiogramas (ECG) e radiografias, a fim de auxiliar diagnósticos. O problema é que tais achados não eram correlacionados com o quadro clínico do paciente. Além disso, eram baseados em parâmetros de normalidade que muitas vezes eram arbitrários. Porém, a evolução dos softwares acoplado a mais vastas bibliotecas de dados permitirá possivelmente a execução mais rápida dos laudos desses diagnósticos por imagem.

No campo da pesquisa clínica, a IA poderá ser utilizada a fim de identificar pacientes para participação nos estudos, possibilitando a descoberta mais rápida de novos medicamentos. Mais recentemente, tem chamado atenção o uso dos chamados chats virtuais, ou seja, modelos de conversa com uma inteligência autônoma que simulam quase que perfeitamente o comportamento humano, mas com a vantagem de memória, armazenamento e recuperação de dados extraordinária. Protótipos desse tipo de ferramenta já vêm sendo desenvolvidos desde a década de 60, como o chat ELIZA, desenvolvido por pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology).  A ferramenta ChatGPT (Chat Generative Pre-trained Transformer), já na sua versão 4, incorpora em sua biblioteca conhecimentos médicos. Se bem utilizada, esta ferramenta poderá auxiliar o médico a desvendar rapidamente diagnósticos e propor tratamentos, um passo fundamental sobretudo na tomada de decisão em emergências. Entretanto, o mau uso desse tipo de ferramenta pode ser desastroso, quando o julgamento clínico individual, experiência e intuição do médico também fazem parte da tomada de decisão. Além disso, a eliminação completa do componente humano pode ameaçar um dos maiores (senão o maior) princípios da Medicina, o da empatia, ou seja, somente outro humano poderia entender o que um ser humano sofre. Dito isso, a IA sim virá para ficar, mas, a fim de que seja utilizada com bons propósitos, talvez tenhamos de criar algumas regras e limitações, à semelhança do que Isaac Assimov criou para seus androides com as Três Leis da Robótica.