Na última semana, o vídeo de um socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) desmaiando com medo da agulha ao tomar a vacina viralizou na rede. Rodrigo José dos Santos faz parte do grupo prioritário e recebeu a primeira dose em Itumbiara, Goiás.
Para a psiquiatra Maria Francisca Mauro, o medo surge do que ainda não conhecemos ou do que pode nos proporcionar ameaça.
“Quando ele nos invade por completo, sem conseguirmos ponderar o que estamos aprendendo com as informações, é preciso nortear o que está acontecendo ao redor do mundo, em que grandes líderes estão sendo vacinados e permanecendo saudáveis”, afirma a psiquiatra.
Mas o que acontece em nosso cérebro para termos esse tipo de reação?
Essa e as principais dúvidas sobre o tema, Maria Francisca Mauro responde a seguir. Confira:
Como médica, você acredita que a principal escolha que devemos fazer neste momento é a vacinação?
Sem dúvida. No cenário que estamos atravessando, a vacinação surge como uma possibilidade de diminuição do nível de transmissão comunitária e circulação do vírus. Ela pode contribuir para uma menor probabilidade de aparecerem complicações clínicas decorrentes da infecção por COVID-19, que necessitam de hospitalização, e consequentemente, para que haja menos mortes no país. Mais do que uma escolha individual, a vacinação representa um compromisso social mediante o horror que estamos acompanhando.
Por que algumas pessoas têm medo de tomar a vacina?
O medo surge do que não conhecemos ou do que pode nos proporcionar ameaça. Portanto, para vencê-lo, precisamos nos defrontar com ele. É importante perceber se esta é uma insegurança que precisa ser melhor cuidada.
Quando o medo invade por completo, sem conseguirmos ponderar o que estamos aprendendo com as informações, é preciso nortear o que está acontecendo ao redor do mundo, em que grandes líderes estão sendo vacinados e permanecendo saudáveis, como a Rainha Elizabeth, o Papa Francisco e outros.
Portanto, fique atento aos fatos e suas consequências, e não embarque nas várias fantasias que acabam se criando nas redes sociais ou em grupos que ignoram as evidências científicas.
Como hoje experimentamos uma era de informações falsas e sem fundamentações científicas, precisamos buscar quem está disposto a escutar, ou seja, usar uma informação de qualidade, papel dos especialistas e da imprensa, para que se possa reforçar a segurança da decisão quanto a se vacinar.
O que acontece com o nosso cérebro para termos esse tipo de reação?
O nosso cérebro tem uma área mais sensível para se defender de ameaças. Esta é a região da amígdala cerebral. Pessoas com ansiedade podem apresentar um estado de alerta constante. Em grande parte dos casos, elas reagem desta forma mais exacerbada para alguma situação específica, pois já têm uma base de funcionamento mais ansiosa.
Por que construímos fobias ao longo das nossas vidas? Em geral, fobias são controladas ou terminam de vez se tratadas?
As fobias são um medo irracional a uma situação não ameaçadora. Podem ser específicos, como de sangue, picada de agulha, barata, andar de avião, ou mesmo uma fobia social. Nesta, ao se ver observada, a pessoa pode desencadear um desconforto interno extremo, como falar em público, comer e escrever, por exemplo.
Em termos de origem, as fobias específicas podem ser ocasionadas por algum evento em que você foi exposto de forma traumática e posteriormente evoluiu com um medo exacerbado da situação. Já as fobias que surgem sem que se tenha uma experiência desagradável anterior podem ter origem na influência genética, familiar, no ambiente em que se vive ou questões ao longo do seu desenvolvimento.
É importante saber o tratamento para essas questões. Com isso, é possível controlar ou até mesmo ter uma remissão total desses medos.
Existe alguma maneira eficiente de convencer pessoas que não querem tomar a vacina, a se vacinar?
Sim, primeiro precisa ter uma informação de qualidade e com clareza para a população em todos os níveis de compreensão, que dialogue com os mais diversos cenários. Também é importante não usar uma retórica de ordem, mas estabelecer um diálogo para que elas possam entender quais são os principais receios e direcionar um conteúdo que as ajude a ter menos dúvidas.
No cenário que estamos atravessando, de tanta incerteza por tempo prolongado, muitos deixaram de se informar por não suportarem mais as notícias ruins. Assim, têm difícil compreensão do que estão assistindo na televisão ou em outro meio de comunicação.
Também é importante que os formadores de opinião e as pessoas públicas se posicionem nesta campanha. Aliás, todos nós devemos ser agentes multiplicadores desta corrente.
Alguns idosos, com temperamento forte, se recusam a serem vacinados. Como devemos lidar com o medo e insegurança deles?
Os idosos foram muito sacrificados durante toda esta pandemia. Desde o início ficaram ameaçados com a referência de serem o “grupo de risco” ou mais vulneráveis. É preciso esclarecer, principalmente para esse grupo, que a vacina pode ser a chance de se protegerem ou terem de uma forma menos grave e letal a doença.
Às vezes, a recusa tem motivação ideológica. Como lidar com casos assim?
Precisamos ter sempre muito respeito às ideologias e opiniões, mas se estas recobrem uma certeza distorcida dos fatos, precisa-se compreender se esta distorção se baseia em algumas questões. Como falta de informação mais consistente e compreensível; insegurança ao novo; associação à vacina dentro de um alinhamento político estrito; dúvida quanto à utilidade das vacinas como um agente de prevenção de doenças infecciosas.
Portanto, existem várias vertentes ideológicas que sustentam este posicionamento inicial de negativa, mas se tivermos uma investida de todos quanto a isto, conseguiremos que este grupo seja mínimo ou se reduza apenas àqueles que são irredutíveis quanto a sua ideia.