Claudinor Barbiero*

O tema flexibilização das normas trabalhistas há muito tem sido objeto de discussões acadêmicas e no meio jurídico laboral. Ao longo do tempo, têm havido enormes preocupação e refutação por parte dos juristas para a sua adoção, principalmente em razão de preceitos legais constitucionais ou infraconstitucionais.

A Lei nº 13.979/2020 deu regulação à emergência de saúde pública, prevendo, inclusive, a quarentena por causa da Covid-19, e, após o reconhecimento epidêmico por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Congresso Nacional aprovou o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, decretando estado de calamidade pública, tendo como corolário, por orientação do Ministério da Saúde, a decretação, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, do isolamento social horizontal, assegurada a prestação dos serviços essenciais à população.

As empresas e os trabalhadores sofreram duro golpe, mas as medidas profiláticas adotadas foram necessárias para o combate ao feroz inimigo, coronavírus, resultando na cessação das atividades empresariais e laborativas, afetando, principalmente, o universo de 35,9 milhões de trabalhadores formais, bem como os trabalhadores na informalidade, no total de 38.806 milhões, números estes segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), antes da crise epidêmica.

Para atenuar as consequências, foram editadas três Medidas Provisórias (MPs): 927, 928 e 936, sendo que as duas primeiras referem-se ao teletrabalho (home office), à antecipação de férias, à antecipação de feriados, ao banco de horas, dentre outras medidas; e a última instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda, que assegura o pagamento do benefício emergencial do emprego e renda, face à redução da jornada de trabalho ou à suspensão temporária do contrato de trabalho.

Diversas manifestações ocorreram em oposição crítica, principalmente em relação à MP 936, por parte de juristas e, notadamente, da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), aliás pertinentes, especialmente pelo fato de a norma em questão apresentar violação a dispositivos da Constituição Federal, principalmente o que dispõe o art. 7º, incisos VI (irredutibilidade salarial), XIII (redução da jornada de trabalho), XXVI (reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos do trabalho), além dos incisos III (cabe aos sindicatos a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais das categorias) e IV (obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações coletivas), ambos do art. 8º da Carta Maior.

A inconstitucionalidade dos dispositivos da MP 936 resultaram na judicialização, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), quais sejam, 6363 (Partido Rede Sustentabilidade) e 6370 (PT, PSOL e PCdoB), tendo o ministro Ricardo Lewandowski deferido medida liminar, tornando obrigatória, pela decisão cautelar, a comunicação ao sindicato dos trabalhadores, no caso de celebração dos acordos individuais, quer no caso de redução da jornada de trabalho, quer da suspensão temporária do contrato de trabalho. Contudo, a referida decisão não prevaleceu pela maioria dos ministros do STF, pois, nas sessões realizadas, respectivamente, em 16 e 17 de abril de 2020, por sete a três, ficou decidido que as regras estabelecidas na MP 936 prevalecem por conta do estado de calamidade decorrente da Covid-19.

A pergunta que se faz é a seguinte: flexibilizar ou não as normas trabalhistas no período de calamidade pública? De rigor, atentando para os preceitos já citados da Constituição Federal, facilmente poderíamos dizer que a redução salarial pela redução da jornada de trabalho e a não intervenção dos sindicatos dos trabalhadores nas negociações entre empregadores e empregados são flagrantemente inconstitucionais.

Até o presente momento, ao que parece, atingimos o número de 3 milhões de desempregados, que, provavelmente, será acrescido nos próximos meses, agravando consideravelmente o quadro, que já não era animador, com uma quebradeira e o fechamento de empresas sem precedentes, daí o estado atual exigir medidas e respostas imediatas. A flexibilização das normas laborais torna-se necessária para a manutenção de empregos e a garantia, ainda que reduzida, da percepção de salários e renda pelos trabalhadores; caso contrário, estaremos contribuindo para que o caos se estabeleça, com resultados imprevisíveis.

* Claudinor Barbiero é professor de Direito do Trabalho da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campus Campinas.