No Dia Mundial da Doença Falciforme, conheça mitos e verdades sobre uma das patologias hereditárias mais prevalentes na população

Somente no Brasil, a estimativa é que nascem 3,5 mil bebês com a enfermidade por ano1

Patologia hereditária monogenética (que afeta um único gene) mais frequente no Brasil e no mundo, a doença falciforme (DF) configura um desafio considerável à saúde pública. Só no país, de acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que cerca de 3,5 mil crianças nascem por ano com a enfermidade1.

As consequências da DF para o portador são muitas e envolvem anemia crônica, crises dolorosas associadas ou não a infecções, retardo do crescimento, infecções e infartos pulmonares, acidente vascular cerebral, inflamações, úlceras nas pernas2 e, consequentemente, reflexos na autoestima3,4 e na saúde mental5.

A doença falciforme afeta os glóbulos vermelhos do sangue, levando as hemácias a adquirir formato de foice, causando anemia severa, obstrução vascular, episódios de dor e lesão de órgãos6,7. Estima-se que aproximadamente 7% da população mundial possui alterações genéticas, que combinadas entre elas, podem causar talassemia e doença falciforme1. O reconhecimento tardio de tais doenças pode levar à morte nos primeiros anos de vida8.

Neste 19 de junho, Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme, trazemos alguns verdades e mitos sobre a doença:

O principal meio de diagnóstico é o Teste do Pezinho (verdade).

Para o tratamento adequado da doença falciforme, o diagnóstico precoce é essencial. Ela pode e deve ser diagnosticada nos primeiros momentos de vida pelo teste do pezinho para o rápido direcionamento a exames, acompanhamento e tratamentos para amenizar seus impactos9,10.

“É fundamental que a sociedade esteja ciente dos desafios enfrentados pelos indivíduos com Doença Falciforme. A DF causa muitas complicações agudas e crônicas ao longo da vida do paciente. A principal indicação para lidar com esse desafio é a triagem neonatal, essencial para identificação dos casos e correto encaminhamento para centros de referência para acompanhamento regular, realização de exames e recebimento de toda atenção necessária. Só assim o paciente conseguirá ter melhores condições de sobrevida com uma doença que, na maioria dos casos, o acompanhará por toda a vida”, ressalta a Dra. Ana Cristina Silva Pinto, médica da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto (SP) e professora da Universidade de São Paulo (USP).

A doença falciforme tem cura (depende).

Os pacientes contam com tratamentos como hidroxiureia, antibióticos e transfusões de sangue, que podem minimizar efeitos da doença falciforme, oferecendo a possibilidade de um cotidiano com mais qualidade de vida. A cura é possível apenas em casos muito específicos, em que é indicado o transplante de medula óssea, mas, mesmo nessas situações, o médico deve acompanhar continuamente o paciente9.

Embora seja uma anemia, o excesso de ferro no sangue é uma ameaça (verdade).

Atualmente os pacientes contam com opções importantes de tratamento, dentre as quais as transfusões regulares de sangue. Porém, há de se ter atenção às principais consequências desse tipo de terapia, como a possível sobrecarga de ferro no organismo, já que o ferro presente no sangue transfundido não é eliminado de forma eficiente. “A sobrecarga crônica de ferro pode causar danos irreversíveis em órgãos vitais, como o coração e o fígado”, aponta a Dra. Ana Cristina Silva Pinto.

Tradicionalmente, a terapia de quelação por meio do uso de agentes quelantes de ferro tem sido a abordagem padrão para remover o excesso de ferro no organismo dos pacientes. No entanto, em alguns casos, devido a contraindicações ou intolerância a esses agentes, a terapia de quelação convencional pode não ser recomendada11.

“Atualmente, há alternativas terapêuticas focadas em abordagens para remover o excesso de ferro de maneira segura e eficaz, visando minimizar os danos causados pela sobrecarga crônica de ferro”, enfatiza a especialista.

Doença falciforme pode evoluir para câncer (mito).

Mesmo que toda esteja ligada à genética sanguínea, a doença falciforme não evolui para câncer, a não ser que já tenha a predisposição para tal. A doença falciforme e a talassemia afetam os glóbulos vermelhos, enquanto a leucemia, por exemplo, acomete os glóbulos brancos12.

Essa é uma doença que afeta somente pessoas negras (mito).

É uma verdade que a DF se manifesta com mais frequência em pessoas afrodescendentes, isso porque ela tem origem no gene HbS, de origem africana. Porém, em um mundo globalizado, a miscigenação racial, presente em todos os continentes, faz com que praticamente pessoas de qualquer etnia possam desenvolver a patologia13-15.

A DF só é transmitida geneticamente (verdade).

O único meio de transmissão da doença falciforme é entre gerações, pela genética ou, em outras palavras, por transmissão mendeliana16. Não há a possibilidade de transmissão da enfermidade pelo contato com outras pessoas.

Referências Bibliográficas

  1. Biblioteca Virtual em Saúde. Ministério da Saúde [acesso em 12/06/23]. Disponível em: Link
  2. FF Costa, N Conran, KY Fertrin – Zago MA, Falcão RP, Pasquini …, 2001.
  3. Menezes ASDODP, Len CA, Hilário MOE, Terreri MTRA, Braga JAP. Qualidade de vida em portadores de doença falciforme. Rev Paul Pediatr 2013; 31(1):24-9
  4. Jesus ACDSD, Konstantyner T, Lôbo IKV, Braga JAP. Características socioeconômicas e nutricionais de crianças e adolescentes com anemia falciforme: Uma revisão sistemática. Rev Paul Pediatr 2018; 36(4):491-499
  5. Lorencini GRF, Paula KMPD. Perfil comportamental de crianças com anemia falciforme. Temas psicol 2015; 23(2):269-280
  6. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Manual de diagnóstico e tratamento de doenças falciformes. Brasília (DF): Anvisa; 2002. p.9-11.
  7. Loureiro MM & Rozenfeld S. Internações por doença falciforme. Rev Saúde Pública 2005;39(6):943-9.
  8. Weatherall DJ, Clegg JB. Inherited haemoglobin disorders: an increasing global health problem. Bull World Health Organ 2001;79(8):704-12.
  9. Mendonça AC, Garcia JL, Almeida CM, Megid TBC, Júnior AF. Muito além do “Teste do Pezinho”. Rev Bras Hematol Hemoter 2009; 31(2):88-93.
  10. Sarat CNF, Ferraz MB, Júnior MAF, Filho RACC, Souza ASD, Cardoso AIDQ, Ivo ML. Prevalência da doença falciforme em adultos com diagnóstico tardio. Acta Paul Enferm 2019; 32(2):202-209.
  11. Cançado RD. Rev. bras. hematol. hemoter. 2007;29(3):316-326.
  12. Giovana Cristina Lino Brandão, Raurea Damascena Padilha, Sthefany de Oliveira Lima Machado, Yan Felipe Abreu de Medeiros, Anna Carolinna Albino Santos. Coeficientes genéticos hematológicos relacionados às doenças de leucemia, talassemia e anemia falciforme. Seminários de Biomedicina do Univag – 2022 ISSN 2594-7109 [acesso em 12/06/23]. Disponível em: Link
  13. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Doenças Falciformes. Brasília: Anvisa, 2001. 142p.
  14. Naoum PC, Naoum FA. Doença das células falciformes. 1Ş ed. São Paulo: Savier; 2004.
  15. Serjeant GR. A doença da célula falciforme. Anais Nestlé. 1999;58: 11-22.
  16. Batista, Tatiana Franco. Con(vivendo) com a anemia falciforme: o olhar da enfermagem para o cotidiano de adolescentes / Living with Sickle Cell Anemia: The daily life of adolescents as seen from a nursing perspective. Salvador; s.n; 2008. 107P p.