O futuro da saúde

Não há dúvida de que vamos vencer a pandemia, mas o que aprenderemos com ela será determinante para o nosso destino

Fernando Mallet Soares Paragó* 

O Dia Mundial da Saúde, celebrado em 7 de abril como referência à data de criação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948, costuma trazer temas anuais para campanhas de conscientização de governos e da população em geral. Este ano, não há como fugir do tema da pandemia imposta pelo novo coronavírus. Entretanto, a característica comemorativa da data nos traz a oportunidade de analisar, de forma mais ampla, não apenas as ações atuais impostas por esta situação, mas, principalmente, seu reflexo no futuro da saúde no nosso planeta.

Toda iminência de crise, ou seja, situação em que as necessidades projetadas excederão os recursos existentes, exige dos gestores uma reflexão sobre as vulnerabilidades do sistema que a enfrentará e as contingências que serão necessárias. Atuar em uma entidade com presença em todas as regiões do Brasil traz a visão do quão desigual é a distribuição dos recursos de saúde em nosso território. Para muitos municípios brasileiros, a demanda natural de saúde de sua população já se constitui em crise, tendo em vista a deficiência dos recursos existentes para confrontá-la, e torna hercúleo o exercício de planejar os contingenciamentos.

Para as ações atuais, em nossas unidades de saúde, estabelecemos comitês de crise com foco em questões como insumos e gerenciamento de estoques, revisão de fluxos e redirecionamento dos recursos assistenciais. Tais grupos precisam se reunir periódica e frequentemente, tendo em vista o grau de incerteza do momento, para análise e revisão das ações implementadas. A Diretoria Corporativa Médica buscou a aproximação por meio de canais de comunicação, para apoiar os gestores locais, fazendo a interface com as demais diretorias de área e buscando agilidade nas respostas corporativas.

No que tange ao reflexo futuro, estamos diante de uma situação de demanda sem precedentes, que sobrepuja sistemas de saúde mundo afora, independentemente do grau de desenvolvimento econômico dos países. A capacidade de resposta da grande maioria deles parece não ser suficiente para mitigar essas derrotas. Será, então, que a SAÚDE, com todas as letras maiúsculas, tem sido tratada de forma estratégica pelos governos? Digo estratégica ao ponto de não se restringir a abertura de leitos, mas sim criar condições de geração, distribuição e transformação do conhecimento em saúde, desenvolvendo a indústria para fornecimento de produtos e tecnologia e fortalecendo as estruturas de apoio.

Mostramos que temos a capacidade de recrutar heróis e aumentar leitos, mas esbarramos na falta de ventiladores mecânicos e insumos para testes. Portanto, SAÚDE é muito mais que estabelecimentos e profissionais; SAÚDE é economia, infraestrutura, relações internacionais, justiça e defesa. Todo o custo apurado nessas medidas emergenciais de contenção precisará ser considerado nas análises de investimentos futuros. Trazer a SAÚDE para o primeiro lugar na agenda dos governantes precisa ser o legado desta pandemia.

* Fernando Mallet Soares Paragó é diretor corporativo médico da Pró-Saúde e especialista em Qualidade e Segurança do Paciente pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz).