O dia 28 de fevereiro [1] é conhecido como o Dia Mundial de Doenças Raras, data que serve para lembrar o desafio enfrentado por milhões de pessoas com doenças de difícil diagnóstico. E em dezembro do ano passado, a Organização das Nações Unidas (ONU), aprovou resolução inédita relacionada às doenças raras que afetam 300 milhões de pessoas em todo o mundo. O documento intitulado “Enfrentando os desafios das pessoas que vivem com uma doença rara e de suas famílias” foi sancionado por consenso, durante Assembleia Geral, e teve a assinatura de 54 países, incluindo o Brasil.

No texto, a Organização reconhece os desafios vividos pela população com doenças raras, desde o acesso ao diagnóstico e tratamento, até o preconceito e exclusão social. A resolução estimula os países membros a fortalecerem seus sistemas de saúde, adotando estratégias, planos de ação e legislações para o bem-estar das pessoas com doenças raras e suas famílias. A iniciativa é uma demanda de vários anos de especialistas, associações, federações e ONGs de todo o mundo que lidam com esse tema.

O conceito de doença rara (DR) está ligado à sua frequência na população. O Ministério da Saúde aceita como qualquer condição com frequência igual ou menor que 65/100 mil, ou seja, 1,3 pessoa afetada a cada 2.000. Grande parte das DRs (mais de 80%) é de origem genética e apresenta diversidade de manifestações clínicas, tanto em sistema/órgão(s) afetado(s) como pela gravidade. Estima-se que existam mais de 8.000 DRs diferentes.

Cerca de 13 milhões de brasileiros são acometidos por doenças raras, segundo pesquisa da Interfarma [2]. De 50% a 70% das pessoas afetadas por estas enfermidades são crianças [3]. Atualmente, existem de 5.000 a 7.000 tipos destas doenças [4]. Estes números seguem aumentando regularmente, já que, com frequência, são descritas novas doenças raras na literatura médica [5].

Os pacientes com doenças raras esperam, em média, até 7,2 anos para receber o diagnóstico exato da patologia que enfrentam [6], muitas vezes agravando casos que se tratados com antecedência não deixariam sequelas. Um dos objetivos do Dia Mundial das Doenças Raras é justamente chamar atenção para a necessidade de redes de profissionais e centros especializados em doenças raras, com foco na pesquisa, melhor qualidade de vida para essa população, além de ter acesso a serviços de saúde. O que, em última instância, aceleraria o diagnóstico e traria tratamentos assertivos.

“Este movimento inédito da ONU coloca as doenças raras na pauta global de saúde e reconhece os desafios vividos por esses pacientes e famílias. É histórico porque sugere ações concretas aos países signatários, incluindo o Brasil, como investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tratamentos, redes que incluam atendimento médico e psicossocial, formação especializada de profissionais da saúde. Um importante passo”, afirma Roberto Giugliani, professor do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro titular da Academia Brasileira de Ciências.

Sobre algumas doenças raras

Esclerose Múltipla

A esclerose múltipla é uma doença neurológica, crônica, progressiva e autoimune. Comumente diagnosticada em pacientes entre 20 e 40 anos, afeta o cérebro, olhos e medula espinhal [4]. Isso acontece porque o nosso sistema imunológico confunde as células saudáveis da bainha protetora dos nervos como “células invasoras”, e começa a atacá-las, corroendo e provocando lesões na bainha de mielina [7].

Doença de Pompe

  • É uma doença neuromuscular genética degenerativa, progressiva e hereditária que afeta pacientes de todas as idades. A jornada até o diagnóstico é longa, e os pacientes podem levar de 6 à 12 anos para receber um diagnóstico definitivo. Causada pela deficiência na atividade da enzima alfaglicosidade ácida (GAA), gera o acúmulo gradativo de glicogênio em células musculares e interfere na função celular. Consequentemente, o indivíduo apresenta fraqueza muscular, dificuldade respiratória e outros sintomas que se confundem com outras doenças comuns [7].

Doença de Gaucher

Pacientes da Doença de Gaucher podem ver seus sintomas surgirem a qualquer momento ao longo da vida. No entanto, a maioria dos casos aparece até a adolescência [8]. O diagnóstico pode demorar até 10 anos e aproximadamente 25% dos pacientes não têm acesso ao tratamento adequado por conta do diagnóstico tardio [9].

Doença de Fabry

A Doença de Fabry, uma doença genética hereditária rara progressiva e multissistêmica. Dentre os sintomas da Doença de Fabry, são observados sintomas gastrointestinais (diarreia, náuseas, vômitos, dor abdominal), pequenas manchas vermelhas na pele (angioqueratomas), intolerância ao frio e/ou calor, diminuição de suor, proteinúria e outros [10]. Com a progressão da doença, a piora da função renal e comprometimento cardíaco podem ocorrer, e o risco de desenvolver complicações fatais como doença renal de estágio terminal, AVC, fibrose cardíaca, arritmia e morte processe aumenta [9]. Isso porque os pacientes herdam um gene com uma mutação que o torna incapaz de produzir quantidade suficiente de uma enzima chamada alfa galactosidase A (α-Gal A). Os estudos mostram que os pacientes costumam passar aproximadamente 15 anos para homens e 18 anos para mulheres desde o início dos sintomas até o diagnóstico[x].

MPS

Sintomas e sinais como baixa estatura, contraturas articulares, opacidade de córneas, aumento da língua, baço e fígado costumam aparecer durante a primeira infância [12]. Em função da variedade de sintomas, há dificuldade no diagnóstico de MPS e muitos pacientes passam por mais de 10 consultas médicas até serem encaminhados para o especialista correto [12].

PTTa

É uma desordem sanguínea rara que causa coágulos em pequenos vasos sanguíneos em todo o corpo [13]. Estes pequenos coágulos podem bloquear o fluxo para os principais órgãos, como os rins, cérebro ou coração [13].

ASMD
A Deficiência de Esfingomielinase Ácida (ASMD) é uma condição genética, rara e potencialmente fatal, historicamente conhecida como Doença de Niemann-Pick tipo A, B ou A/B [14]. Estima-se que 1 em cada 200 mil pessoas no mundo nasce com o gene causador da doença [15]. Devido a essa raridade e ao desconhecimento sobre o tema, a ASMD pode não ser detectada em estágios iniciais, o que implica na progressão da doença e, eventualmente, no óbito do paciente, antes mesmo que um diagnóstico seja estabelecido — principalmente no tipo A, considerado o mais grave [6].