Apresentado no 17º Congresso Mundial do Sono, no Rio de Janeiro, o trabalho científico usou testes de DNA para identificar a ancestralidade dos participantes.

Pesquisadores do Instituto do Sono e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) realizaram um estudo para detectar diferenças na estrutura de sono de 3 grupos étnicos com base na análise da ancestralidade genética. O trabalho científico envolveu 1.006 moradores da cidade de São Paulo e concluiu que os indígenas e orientais são os que dormem melhor entre as etnias avaliadas. Os brancos são os que têm mais apneia obstrutiva do sono e insônia, além de movimento periódico das pernas. Mesmo assim, apresentam melhor qualidade de sono comparada à dos afro-brasileiros, que dormem menos tempo e demoram mais para adormecer.

Todos os grupos étnicos apresentam apneia obstrutiva do sono e insônia em grau leve. “Como os participantes vivem em uma metrópole, acreditamos que fatores não genéticos podem explicar a existência desses distúrbios de sono, como o tipo de alimentação, a frequência de prática de atividade física, o estilo de vida, o tabagismo e a falta de acesso a serviços de saúde”, afirma a médica Dalva Poyares, pesquisadora do Instituto do Sono, uma das autoras do estudo.

Os pesquisadores ressaltam que a etnia abrange práticas culturais, tradições e crenças que podem influenciar nas práticas antes de dormir ou em padrões familiares de sono nos diferentes grupos étnicos. A condição socioeconômica, as características dos bairros, a discriminação e os processos de aculturação podem ter impacto sobre as disparidades no padrão de sono entre as comunidades.

O estudo “Padrões de sono segundo uma etnia geneticamente determinada na população de São Paulo” foi apresentado no 17º Congresso Mundial de Sono, realizado em outubro, no Rio de Janeiro. Além da médica Dalva Poyares, participaram do trabalho as pesquisadoras Priscila F. Tempaku, Julia Kondo, Vânia D’Almeida e Viviane A. Kakazu (Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo/Unifesp) e os Professores Monica L. Andersen (Diretora de Ensino e Pesquisa do Instituto do Sono) e Sergio Tufik (Presidente do Instituto do Sono).

Indígenas e orientais dormem melhor

Para investigar como pessoas de diferentes grupos étnicos dormem, os pesquisadores analisaram indivíduos que participaram do Estudo Epidemiológico do Sono de São Paulo (EPISONO), realizado pelo Instituto do Sono em 2007. Todos responderam a questionários, realizaram polissonografias completas e tiveram amostras de sangue coletadas para a extração de DNA. Foram selecionados 31 marcadores informativos da ancestralidade dos participantes. Esse é um grande diferencial deste trabalho científico, uma vez que boa parte dos estudos avaliam o sono com base na etnia autorreferida e não a base genética da amostra pesquisada.

Dos 1.006 participantes, 668 eram brancos, 255 afro-brasileiros e 83 indígenas e orientais. Proporcionalmente, a amostra analisada foi composta por 64% de brancos, 25,3% de afro-brasileiros e 8,3% de indígenas/orientais.

 

Afro-brasileiros

Brancos

Indígenas/orientais

Mulheres

59,6%

53,7%

60,2%

Homens

40,4%

46,3%

39,8%

Idade média

40 anos

43 anos

38 anos

Os indígenas/orientais foram os que dormiram melhor entre os 3 grupos examinados. Os resultados dos testes de polissonografia revelaram que este grupo demorou menos tempo para pegar no sono (11min68seg) e teve maior duração de sono do que os demais (350min62seg). A eficiência de sono deste grupo foi de 84,91%, a mais alta entre todas as etnias. A eficiência de sono é calculada pelo tempo que a pessoa fica na cama comparado ao tempo que a pessoa dorme.

 

Afro-brasileiros

Brancos

Indígenas/orientais

Latência de sono

19min96seg

15min92seg

11min68seg

Tempo total de sono

333min96seg

346min33seg

350min62seg

Eficiência de sono

80,74%

82,20%

84,91%

Movimento periódico das pernas

1,32

4,97

3,41

Número de despertares por hora

13,7

15,71

12,38

Outras peculiaridades das diferentes etnias foram constatadas nas respostas do questionário da Unifesp, composto por 59 questões sobre a rotina, os problemas de sono e os hábitos de vida. Os indígenas/orientais têm mais duração de sono e acordam mais cedo. Já os afro-brasileiros são os que dormem menos tempo durante a semana e cochilam mais. Em compensação, os brancos têm mais queixas de insônia e tomam mais medicamentos para dormir.

 

Afro-brasileiros

Brancos

Indígenas/orientais

Duração de sono (dias úteis)

7h22min

7h37min

7h40min

Duração de sono (fins de semana)

8h16min

8h29min

8h32min

Cochilos

40,8%

36,5%

31,3%

Problemas no lugar em que dorme

23,5%

18,6%

25,3%

Remédios para dormir

25,9%

30,5%

22,9%

Acordar cedo

54,1%

50,3%

62,7%

Insônia

28,2%

29,6%

25,3%

Classe social e sono

A pesquisa também especifica a classe social dos participantes, uma vez que a relação entre sono e etnia é influenciada pela condição econômica do indivíduo. Os dados evidenciam que 70,9% dos afro-brasileiros representados no estudo do Instituto do Sono pertenciam às classes média e baixa, uma porcentagem bem acima dos indígenas/orientais (50,5%) e dos brancos (40,2%). E foi este grupo étnico que apresentou o pior padrão de sono em relação aos outros. Essa constatação é consistente com a literatura médica. Vários estudos identificaram minorias étnicas com baixo nível socioeconômico como apresentando pior qualidade de sono e maior risco de distúrbios de sono.

Classes

Afro-brasileiros

Brancos

Indígenas/orientais

Alta

29,1%

59,7%

49,4%

Média

52,5%

33,8%

42,2%

Baixa

18,4%

6,4%

8,34%

Mesmo quando o fator socioeconômico foi controlado, ainda podem ser observadas diferenças entre as etnias nos padrões de sono e na frequência de distúrbios de sono. Segundo a médica Dalva Poyares, o fato de pertencer a um grupo étnico pode tornar o indivíduo mais suscetível a um distúrbio de sono. “Nos Estados Unidos, a comunidade hispânica é tão pobre quanto a população afro-americana, mas o padrão de sono dos hispano-americanos é melhor do que o dos afro-americanos”, comenta a especialista.

Outra descoberta importante foi a de que os brancos apresentaram melhor qualidade de sono do que os afro-brasileiros, embora tivessem mais apneia obstrutiva do sono e movimento periódico das pernas. Segundo Dalva Poyares, este fato ocorre porque 59,7% dos brancos representados no estudo pertenciam à classe alta e eram mais velhos. “Essas pessoas têm alto poder aquisitivo o que possivelmente permite que, consigam dormir mais tempo, ter um sono mais eficiente e melhor acesso à saúde”, pondera. “Esses e outros achados sugerem que a influência no sono não é um princípio socioeconômico ou étnico, mas sim uma questão que engloba ambas as variáveis”, complementa.

Sobre o Instituto do Sono

O Instituto do Sono é um centro de referência mundial em pesquisa, diagnóstico e tratamento em distúrbios de sono. Fundado em 1992 pelo Professor Sergio Tufik, é formado atualmente por mais de 100 colaboradores, entre eles médicos de diversas especialidades, técnicos, psicólogos, biólogos, biomédicos, dentistas, assistentes sociais, enfermeiras, fisioterapeutas, educadores físicos e pesquisadores. Além do atendimento à população, conta com uma área de educação continuada que já capacitou mais de 4.000 profissionais de saúde.

O Instituto do Sono faz parte da AFIP (Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa), uma instituição privada, sem fins lucrativos e filantrópica, fundada por profissionais da área da saúde, professores universitários e pesquisadores há mais de 40 anos. Seu objetivo é fornecer suporte financeiro para atividades de docência, pesquisa científica e atendimento médico à população.