Maristela Martins de Camargo foi consultora de livro de imunologia para leigos escrito por youtuber alemão que soma mais de 17 milhões de seguidores.
Durante três semanas, entre novembro e dezembro do ano passado, um livro de imunologia figurou entre os 15 mais vendidos dos Estados Unidos na categoria Não-Ficção — de acordo com a lista de Best Sellers do jornal New York Times.
O livro Immune: A Journey into the Mysterious System That Keeps You Alive (Sistema Imune: Uma Jornada pelo Misterioso Sistema que te Mantém Vivo, em tradução livre para o português), escrito pelo youtuber alemão Philipp Dettmer, explica por meio de narrativas, como o organismo reage a uma infecção da contaminação até ela ser resolvida. Destinada ao público leigo, a obra destaca-se por suas analogias inéditas, mas nem por isso perde o rigor científico. E parte do sucesso nessa empreitada tem como responsável uma professora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).
Maristela Martins de Camargo, coordenadora do Laboratório de Imunorregulação Molecular, atuou como revisora científica da obra que esgotou seus exemplares ainda na pré-venda. A docente, que também lidera o projeto de extensão em divulgação científica CientificaMente, conta que foram cerca de cinco meses de intensas leituras e releituras.
“É um livro bem gordo, são mais de 350 páginas. E eu, como revisora, ficava em contato com o autor o tempo todo. Ele ia me mandando os capítulos, então eu dava minhas sugestões e críticas, e depois ele refazia, eu corrigia de novo, e assim sucessivamente. Foi um processo muito criterioso para evitar erros conceituais. O que foi um desafio e tanto, já que as analogias do livro tentam ser as mais ilustrativas possíveis para atingir o nosso público”.
Camargo também destaca que o convite veio de maneira inusitada. A relação entre os dois começou no momento em que a professora resolveu utilizar vídeos do canal de Dettmer, o Kurzgesagt — In a Nutshell, em uma de suas aulas. Impressionada com a repercussão do conteúdo entre os alunos, ela entrou em contato com o produtor.
“Mandei um e-mail elogiando o vídeo e pedindo que eles fizessem mais conteúdos de imunologia. Também aproveitei para sugerir alguns temas para vídeos e assim criamos uma proximidade.
Então ele resolveu me contar sobre o livro que estava escrevendo há anos e que precisava de um especialista para fazer uma consultoria científica”.
O autor – Phillip Dettmer se interessou por imunologia após ser diagnosticado com câncer aos 32 anos e perceber como seu sistema imune foi se regenerando a ponto de curá-lo da doença. Partiu disso a ideia de fazer um livro para explicar o que houve em seu organismo. Desde então, o ilustrador passou a conciliar seu tempo entre escrever, entrevistar cientistas e estudar imunologia, e ser o proprietário de um canal de animações que hoje conta com mais de 17 milhões de inscritos.
Formado em artes, Dettmer sempre atuou profissionalmente com infográficos e daí se apaixonou por ciência, resultando na criação do Kurzgesagt, em 2013. Hoje, sua equipe conta com mais de 30 funcionários, de diversas áreas, de artistas a pesquisadores. “Ele faz divulgação científica em inglês sobre vários temas, de filosofia a imunologia, e isso só é possível porque ele ouve os cientistas. Não dá para fazer divulgação científica sem uma equipe multidisciplinar”, comenta a revisora.
Falando com o leigo – Para a professora, o livro é eficaz em diversos aspectos, que vão além da beleza das ilustrações. “O Phillip foi muito feliz ao fugir dos jargões científicos. O foco dele não é em fazer o leitor decorar termos, células e proteínas, mas em fazê-lo entender a lógica por trás daquilo tudo. Ele fala de coisas que não estamos acostumados a dar nas aulas, como o tamanho dos vírus e das células e quanto tempo demora para as reações ocorrerem. Isso empolga o leitor, causa assombro”.
Ainda segundo Camargo, a obra conseguiu o que poucos trabalhos de divulgação científica conseguem, conversar de fato com os leigos. “Para entender o livro só é preciso saber ler. São poucas vezes que eu vi isso. Geralmente para entender um livro de divulgação científica é necessário ao menos ter completado o ensino médio. E esse é um dos motivos de ter vendido tanto, porque imunologia não é um assunto que costuma vender”.
A pesquisadora complementa dizendo que chegar no público leigo é fundamental para preservar a saúde de toda população. “Se o leigo não entende o que está acontecendo com seu corpo, como ele vai aderir a um tratamento ou querer tomar vacina? A partir do momento que ele entende como funciona a produção dos anticorpos, por exemplo, é que ele toma dimensão de sua importância. Assim ele se beneficia e nós nos beneficiamos enquanto sociedade”.
Saiba mais sobre o livro em seu vídeo oficial de divulgação.