(Brasil 16.6.21) – Um estudo realizado com 623 artigos científicos reportando resultados de estudos sobre a doença de Alzheimer conduzidos em camundongos revela que artigos científicos que omitem em seus títulos que o estudo foi realizado em camundongos geram mais notícias que estudos que revelam em seus títulos o uso de camundongos.

O estudo intitulado “What’s not in the news headlines or in titles of Alzheimer Disease articles? #InMice”, conduzido pela Dra. Marcia Triunfol da Humane Society International e Dr. Fabio Gouveia da Fundação Oswaldo Cruz no Brasil, e publicado na revista científica PLoS Biology, também revela que estudos cujos artigos omitem o uso de camundongos em seus títulos geram notícias que igualmente omitem em suas manchetes que o estudo foi realizado em camundongos.

Isso é preocupante porque as descobertas científicas obtidas em estudos realizados com animais devem ser relatadas com cautela, devido à sua relevância limitada para a saúde humana. A biologia e a fisiologia de camundongos e outros animais diferem significativamente das dos humanos, de modo que os resultados de pesquisas obtidos em animais muitas vezes não são replicados em seres humanos. Além disso, o valor científico dos artigos que minimizam o fato de se basearem em modelos animais é, na verdade, inflado por sua exposição desproporcional na mídia, levantando preocupações de que o público esteja recebendo informação enganosa.

A Dra. Triunfol, autora do estudo e consultora científica da Humane Society International, afirma: “Existem cerca de 200 modelos animais para estudar a doença de Alzheimer, mas virtualmente todos os tratamentos descobertos através de experimentos em camundongos são ineficazes quando testados em pacientes. Neste estudo nós mostramos que apesar desta ineficácia significativa dos modelos animais, os artigos que encobrem o fato de que os resultados foram obtidos usando animais tem maior visibilidade na mídia. O relato de pesquisas com animais precisa ser tratado com muito mais cuidado e responsabilidade, para que o público entenda que os resultados dos experimentos com animais podem ter pouca ou nenhuma relevância para os pacientes.”

Os autores do estudo analisaram 623 estudos publicadas em 2018 e 2019 em periódicos de acesso aberto e indexados no banco de dados PubMed. Dos 623 artigos revisados, 405 adicionaram “camundongos” aos seus títulos, mas 218 não fizeram menção a camundongos, apesar de que em ambos os grupos os camundongos foram os modelos utilizados no estudo. Usando o Altmetric Explorer, uma plataforma digital que permite aos usuários obter dados de atenção digital para artigos de pesquisa, o Dr. Gouveia relatou que ele e a Dra. Triunfol descobriram que “quando os autores omitem os camundongos do título do artigo. os jornalistas tendem a seguir o exemplo. O que vemos é que, na maioria dos casos, as notícias na mídia digital também não mencionam camundongos em suas manchetes”.

O estudo também mostra que os artigos que omitem o termo camundongos de seus títulos geram o dobro de tweets nas redes sociais, em comparação com os artigos que mencionam camundongos no título (18,8 tweets contra 9,7 tweets, em média).

Exemplos de notícias sobre estudos onde camundongos foram utilizados como modelo, mas que omitem esta informação são “Composto reverte queda na produção de proteínas associada ao Alzheimer” ou ” Nova esperança para o Alzheimer “, entre muitos outros. Essas manchetes podem dar a impressão de que essas descobertas se aplicam a pessoas com a doença de Alzheimer, quando na realidade se aplicam apenas a camundongos, até, e se, novas evidências científicas forem produzidas. O problema de se omitir os camundongos em manchetes de notícias é tão comum que em março de 2019 @justsaysinmice estourou no Twitter (agora com 70.500 mil seguidores) com o objetivo de chamar a atenção para as manchetes de notícias onde os camundongos são omitidos.

Os especialistas Triunfol e Gouveia pedem a implementação de políticas editoriais, como as diretrizes ARRIVE (uma lista de verificação internacionalmente aceita de recomendações para melhorar a comunicação de pesquisas envolvendo animais), para exigir que os títulos dos artigos experimentais identifiquem as espécies e/ou fontes de materiais biológicos usados na ​​pesquisa, se não derivada de humanos. Ao melhorar a qualidade do artigo científico, podemos melhorar as notícias da mídia científica e incentivar uma maior transparência em relação ao verdadeiro status atual da pesquisa sobre a doença de Alzheimer.