Nomes inusitados de doença se popularizam principalmente em casos de grande repercussão, que envolvem pessoas públicas ou durante campanhas de saúde. “Sarcoma”, apesar de poucas letras e de ser um substantivo simples, talvez seja uma dessas palavras estranhas a grande parte da população e pouco abordadas ao longo do ano. Trata-se de um grupo de tumores raros, geralmente pouco suspeitáveis, e que costumam se manifestar como nódulos em qualquer parte do corpo, acometendo todas as faixas etárias. Pequenos caroços que atingem quase o mesmo tamanho de bolinhas de ping-pong devem ser vistos como possíveis sarcomas e exigem atenção pela complexidade do diagnóstico.

Assim como no cenário de outros tipos de câncer, o diagnóstico e tratamento de pacientes com sarcoma também foi impactado pela pandemia do novo coronavírus. “Notou-se uma queda no número de diagnósticos e posterior chegada de pacientes com tumores mais avançados, devido ao retardo na consulta médica. No caso dos sarcomas, é ainda mais grave, já que o tamanho do tumor impacta diretamente no tratamento e prognóstico”, afirma a oncologista Bruna David, do Grupo Oncoclínicas no Rio.

Para falar mais sobre o assunto, no mês de julho é realizada a mobilização do Laço Amarelo, uma campanha de conscientização sobre o sarcoma. A iniciativa, no entanto, segundo a oncologista, encontra pouca representatividade. Por ser um grupo de cânceres raros e não haver fatores de risco ambientais e estatísticas brasileiras sobre sua incidência, há pouco conhecimento por parte de profissionais.

“Precisamos dar mais visibilidade ao tema por aqui. Todo e qualquer nódulo, principalmente os que crescem, precisam ser investigados precocemente. Muito ‘carocinho’ é avaliado por médicos que não estão acostumados com esse tipo de diagnóstico. O autoexame é uma ferramenta indispensável para o diagnóstico precoce, assim como a avaliação por equipe multidisciplinar especializada. Nesses casos, um cirurgião ou ortopedista oncológico, deve atuar”, explica Bruna.

O cirurgião-geral costuma ser o profissional procurado em um primeiro momento. Na suspeita de malignidade, uma biópsia é o procedimento inicial indicado para o diagnóstico definitivo. A partir daí, é recomendado procurar uma equipe com experiência em sarcoma, doença que costuma pode se apresentar em três tipos mais comuns: de ossos ou cartilagem; de parte moles como músculos, tendão, vasos ou nervos, ou do trato gastrointestinal. Já são reconhecidos mais de 100 subtipos.

Confira algumas curiosidades sobre a doença:
– Existe alguma relação específica entre a infecção pela COVID-19 e o sarcoma? Algo tem sido levantado nesse sentido?
Bruna David: As alterações pós-Covid podem impactar diretamente no tratamento, caso alguma sequela permaneça. O câncer é uma doença que atinge diretamente a imunidade e resposta inflamatória, o que pode piorar a recuperação pós-Covid. Além, claro, dos tratamentos que deixam os pacientes imunossuprimidos e mais suscetíveis à infecção e complicações.
No caso dos sarcomas, os pulmões podem ser afetados por metástases e isso piorar o quadro de uma infecção por COVID-19. Nesses pacientes, uma menor resposta à vacina também é esperada. Fato é: pacientes oncológicos configuram grupo de risco mais suscetível à contração e complicações da COVID-19.
– Qual o tipo mais prevalente de sarcoma? Quando se ouve, já se pensa em tumor maligno, mas há vários tipos, né? Onde costuma começar ou de que forma é mais comum?
Bruna David: Os sarcomas mais prevalentes são os de partes moles. Dentre esses, os mais comuns são os lipossarcomas, leiomiossarcomas e sarcomas pleomórficos. Há também os sarcomas ósseos e os do trato gastrointestinal, sendo os mais comuns chamados GIST (tumor do estroma gastrointestinal). São um grupo muito heterogêneo, composto por mais de 100 subtipos.
Podem acometer qualquer parte do corpo, mais comum em tronco, braços e pernas. Geralmente, começam como um carocinho que cresce continuamente, doloroso ou não.
– Atualmente, existe um fator de risco mais determinante? Já se conhece as principais causas?

Bruna David: Não existem fatores de risco. Há algumas síndromes genéticas familiares associadas, exposição a algumas substâncias químicas, mas são raridade. O mais comum é o sarcoma esporádico, sem antecedente causal. Há o mito de relação com trauma prévio, mas essa associação nunca foi provada cientificamente.

– Houve alguma mudança no perfil da doença e dos pacientes, recentemente?

Bruna David: Sarcomas acometem qualquer gênero em qualquer faixa etária. Claramente, dentre os subtipos há diferenças, por exemplo, sarcomas ósseos atingem mais crianças e adultos jovens. Mas, no geral, são um grupo abrangente.

– Qual a recomendação geral para um diagnóstico mais precoce?

Bruna David: Estar atento aos sinais. Tumor de crescimento contínuo em qualquer parte do corpo merece avaliação de um especialista. Em linhas gerais, se maior que uma bolinha de ping-pong, cerca de 5 cm. Importante lembrar que, como são raros, e compostos por muitos subtipos dentro da raridade, é importante que sejam vistos e tratados por profissionais treinados nesse tipo de doença. Já é provado que isso também impacta no prognóstico. E, claro, quanto menores, maior a chance de sucesso no tratamento.

– Quais os principais avanços em termos de tratamento discutidos no momento?
Bruna David: O refinamento das técnicas de diagnóstico e classificação dos diferentes subtipos vem contribuindo para um melhor entendimento e tratamento da doença. Novos subtipos surgiram recentemente e novas terapias-alvo já estão sendo usadas, como os casos dos sarcomas com fusão de NTRK, inibidores de EZH2 para sarcoma epitelioide. O entendimento do microambiente tumoral e uso da imunoterapia já tão em voga, assim como o desenvolvimento de terapias baseadas em imunidade adaptativa e terapias-alvo para tumores com mutações específicas resistentes a linhas prévias de tratamento. Os resultados preliminares são bastante animadores.