Por Pedro Schildknecht

Gerente Geral América Latina Mölnlycke

A saúde baseada em valor (SBV) é um conceito que tem progressivamente ganhado destaque no setor. Em resumo, a ideia é que o valor de um tratamento médico deve ser medido não apenas pelo seu custo, mas também pela qualidade do tratamento e pelos resultados obtidos. Ou seja, a saúde baseada em valor busca equilibrar a qualidade do tratamento com a redução de custos.

A qualidade do tratamento é aspecto fundamental da SBV. Isso significa que os tratamentos devem ser eficazes, seguros e baseados em evidências científicas, levando em conta a experiência do paciente e resultados obtidos. O controle de custos é outro aspecto chave, logo uma estratégia de cuidado deve ser projetada para minimizar custos desnecessários e evitar eventos adversos preveníveis.

Para superar esses desafios, a saúde baseada em valor requer uma abordagem colaborativa e multidisciplinar. Os profissionais de saúde devem trabalhar em conjunto com os fabricantes e com os pacientes para encontrar soluções que equilibrem qualidade do tratamento com redução de custos.

Do ponto de vista do paciente, o conceito de saúde baseada em valor leva em consideração que o cuidado deve ser aplicado quando necessário, com bom custo-benefício e buscar prevenir a necessidade do cuidado.

Além dos benefícios para os pacientes, a SBV traz resultados positivos para operadoras de saúde como a redução de custos assistenciais; o aumento da efetividade e resolutividade das intervenções, reduzindo internações; um maior engajamento por parte dos médicos e provedores em geral; melhor adesão do paciente à sua jornada de tratamento e, por fim, cria um ecossistema positivo que leva a economias em escalas significativas.

O manejo de lesões por pressão – lesões que acometem uma região da pele em decorrência de pressão não aliviada superior a tolerada pelos capilares sanguíneos, e comum em pacientes imobilizados ou de baixa mobilidade, é um excelente exemplo. Estas lesões podem ser consideradas eventos adversos preveníveis, impactando o custo total do cuidado, a satisfação do paciente, sua qualidade de vida e, muitas vezes, sua capacidade produtiva.

Nossa experiência corporativa relacionada à prevenção de lesões tem refletido benefícios econômicos no custo total por paciente e melhores resultados clínicos, ainda que intervenção preventiva signifique um custo inicial adicional aos protocolos utilizados. A magnitude destes benefícios pode variar de acordo com os algoritmos utilizados por cada hospital. De modo geral, observamos resultados compatíveis ao estudo de custo-efetividade apresentado por Genedy et al1, onde se observa uma redução média de 15% sobre o custo total de cuidado por paciente quando o protocolo adequado de prevenção é aplicado, em comparação à uma população submetida a um protocolo padrão de cuidado não focado em prevenção ou sem o uso de tecnologias de alta performance. Em resumo: o barato (não prevenir) sai caro, tanto para o paciente como para a operadora de saúde, agravando a crise do sistema de saúde brasileiro.

Resultados como estes demonstram que o uso de protocolos e dispositivos de prevenção podem resultar em um cuidado mais econômico, mas ao mesmo tempo com resultados clínicos e de satisfação do paciente extremamente positivos, exemplificando um dos potenciais modelos de aplicação de SBV na gestão ativa de custos de saúde.

Infelizmente, a realidade atual não tem a SBV como estratégia focal no ambiente de cuidados a saúde, ainda que exista sob a forma de projetos pontuais em diferentes instituições. Retornando ao exemplo de lesões por pressão, temos uma incidência média superior a 20% em UTIs no Brasil, podendo chegar a valores superiores a 50% em alguns hospitais1. Estas lesões podem se originar desde o centro cirúrgico, onde procedimentos mais demorados podem dar origem a tais lesões. No período de janeiro a dezembro de 2021, foram reportados 7.043 eventos adversos preveníveis de alta gravidade (Never Events)2. Entre eles, a lesão por pressão nos estágios III e IV representa mais de 95% desse total3.

Levando em consideração que o custo de tratamento destas lesões supera R$ 150.000,004 e submete hospitais e/ou operadoras de saúde ao risco jurídico de pedidos de indenização5, se torna evidente os benefícios que a implementação de modelos de SBV podem trazer na gestão do custo no cuidado à saúde e na melhoria da qualidade de tratamentos ofertados.

Referências:

  1. Genedy M; Hahnel E; Smitchieva-Tomova T; Padula WV, Hauss A, Lober N; Peytavi-Blume U; Kottner J. Cost-effectiveness of multi-layered silicone foam dressings for prevention of sacral and heel pressure ulcers in high-risk intensive care unit patients: An economic analysis of a randomised controlled trial. Int. Wound J.. 17 (5): 1291-1299, 2020. https://doi.org/10.1111/iwj.13390
  2. Constantin AG; Moreira APP; Oliveira JLC; Hofstätter LM; Fernandes LM. Incidência de lesão por pressão em unidade de terapia intensiva para adultos. ESTIMA, Braz. J. Enterostomal Ther., 16: e1118. doi: 10.1030886/estima.v16.454_PT.
  3. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Implantação do núcleo de segurança do paciente em serviços de saúde. Brasília: Anvisa, 2014.
  4. RELATÓRIO dos Estados: incidentes relacionados à assistência à saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Brasília, DF, 14 junho 2022. Disponível em: l1nq.com/E8wZH Acesso em: 20 jun. 2022.
  5. Vieccelli Donoso, M. T., Barbosa, S. A. S., Simino, G. P. R., Couto, B. R. G. M., Ercole, F. F., & Barbosa, J. A. G. (2019). Análise de custos do tratamento de lesão por pressão em pacientes internados. Revista De Enfermagem Do Centro-Oeste Mineiro9Link
  6. https://www.conjur.com.br/2022-abr-03/stj-mantem-indenizacao-paciente-teve-escaras-internacao