Especialistas do LIV falam sobre a importância do olhar cuidadoso para a saúde mental, principalmente de crianças e adolescentes, dentro de casa ou na escola

A infância e a adolescência são momentos únicos, que influenciam diretamente na vida adulta, e cuidar da saúde mental desses indivíduos é uma necessidade. Porém, a falta de espaços de fala e de escuta em nossa sociedade para abordar esse tema muitas vezes afasta as pessoas e as famílias desse cuidado. E com a pandemia, os desafios aumentaram. Vimos um crescimento nos casos de crises, desequilíbrios e transtornos emocionais, principalmente entre crianças e adolescentes.

Pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria mostra que, em 2020, houve um aumento de 25% nos atendimentos psiquiátricos. Além disso, 82,9% dos médicos entrevistados destacaram o agravamento dos sintomas dos pacientes após o início da pandemia. Já um relatório da Fiocruz destaca que 40% da população adulta brasileira foi afetada por sentimentos de tristeza e depressão.

Mas o que podemos fazer para acolher e cuidar da saúde mental dessas pessoas, principalmente das crianças e adolescentes? Aproveitando o mês de prevenção ao suicídio e o Dia do Adolescente, comemorado em 21 de setembro, especialistas do LIV falam sobre mitos e preconceitos envolvendo a saúde mental e dão dicas de como ações dentro de casa ou na escola podem ajudar.

1 – Cuide da saúde do corpo e da mente

Da mesma forma que cuidamos preventivamente da saúde do corpo para evitar doenças, também é necessário cuidar da saúde da mente para evitar o adoecimento e transtornos mentais. Não se deve esperar uma crise para cuidar da saúde mental.

“As pessoas acham que saúde mental e saúde do corpo são campos separados, quando na verdade estão totalmente interligados. Há muitos exemplos de eventos que começam na saúde do corpo e se refletem na saúde mental, assim como há transtornos mentais que levam ao surgimento ou agravamento de diversas doenças. Por isso, é primordial tratar e cuidar das duas coisas”, esclarece Raul Spitz, psicólogo e consultor pedagógico do LIV.

2 – Viva as sensações e os sentimentos

Caso a tristeza apareça, faça a mesma coisa que faríamos se fosse alegria: viva e sinta esse sentimento. Chore, ria, grite. Caso a tristeza não apresente uma razão clara – o que não é raro de acontecer -, ela é um mistério a ser desvendado. E a resposta estará em descobrir esse motivo. Acolha seu sentimento e, se necessário, procure ajuda. Não há nenhum sentimento que não seja legítimo.

“Problemas são situações para as quais existem soluções. Tratar nosso sentir como problema é um equívoco e uma perda de tempo e energia. E, isto sim, pode nos adoecer”, alerta Raul Spitz.

3 – Crianças também podem sentir tristeza

Há na nossa cultura uma ideia pré-determinada sobre a infância na qual as crianças precisam estar sempre felizes e comportadas. Essa ideia equivocada tem levado a um cenário de “patologização” de todo comportamento infantil que fuja a esse imaginário. Muitas vezes, aquelas que não se enquadram em certos padrões, são indiscriminadamente tidas como hiperativas ou com problemas de aprendizagem, simplificando a questão e reduzindo a criança a essa condição, sem considerar aspectos mais amplos que podem estar envolvidos.

Se sentir tristeza é normal, como saber quais fatores observar na criança para analisar a situação de sua saúde mental? “O primeiro ponto a se considerar é que nenhum sinal isolado vai apontar para um sofrimento mental. Em geral, é importante estar alerta para o conjunto de sinais e de mudanças bruscas no padrão de comportamento da criança como o desinteresse pelo ato de brincar, alterações no sono, problemas repetidos de escape de xixi ou cocô após ter aprendido a usar o banheiro, atraso na comunicação, perda de peso ou apetite, queda brusca no rendimento escolar, isolamento social, dores no corpo”, esclarece Spitz.

4 – A escola como protagonista

É impossível falar de saúde mental de crianças e adolescentes e não citar o papel de destaque da escola nessa questão. Mesmo na fase de aulas remotas, é na instituição escolar que a criança e o adolescente encontram o convívio com seus pares e com educadores atentos ao seu desenvolvimento – e, por consequência, atentos também às mudanças em seu comportamento. Como os alunos passam muito tempo na escola, é muitas vezes nesse ambiente que surgem os vínculos e também onde manifestam suas dificuldades. Por isso, é comum que eles encontrem nesse espaço um meio de se abrir ou pedir ajuda em situações difíceis, com mais facilidade até do que no ambiente familiar.

Experiências que fomentam o desenvolvimento socioemocional no ambiente escolar, como o LIV, têm mostrado na prática como esse olhar atento da comunidade escolar para a saúde mental faz a diferença na vida dos alunos. “No LIV, a escola é vista como um espaço no qual a promoção de saúde é incentivada o ano inteiro e não apenas quando alguma situação crítica acontece. Nesse sentido, procuramos oferecer atividades voltadas à manutenção do bem-estar mental dos alunos, de modo a oferecer um espaço seguro para o desenvolvimento de suas habilidades, desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. Incentivamos junto às escolas a prática do acolhimento, entendendo-a como um conjunto de ações que visam proporcionar espaço para falar de sentimentos e demonstrar emoções sem julgamentos prévios ou juízos de valor”, conta Joana London, psicóloga, pedagoga e gerente executiva do LIV.

5 – Boa saúde mental é algo coletivo

Ninguém está sozinho nessa jornada, ainda que a saúde mental diga respeito a aspectos muito pessoais de cada um. Sendo assim, nunca é suficiente dizer: está tudo bem procurar ajuda. Se você sente uma dor em seu corpo, não espere essa dor se tornar insuportável para buscar um médico e descobrir o que está acontecendo. O mesmo se dá com a saúde mental. Não precisamos esperar que a vida pare ou que a gente mesmo fique paralisado diante da vida para buscar ajuda.

6 – Divida seus sentimentos com alguém de confiança

Diante de um dia ruim, podemos buscar ajuda com alguém de confiança, com quem possamos dividir os sentimentos que nos incomodam. Nem sempre você precisa ir a um psiquiatra para começar a buscar ajuda emocional; em sua rede de apoio, você pode buscar espaços com as pessoas de que você gosta e que podem cuidar de você em momentos de crise. Significa tentar colocar a saúde mental em um lugar diferente da urgência. Não é terapia, mas é terapêutico.

7 – Escute os adolescentes

Uma pesquisa publicada no European Journal of Public Health, em setembro de 2020, mostra que, entre 2008 e 2017, houve um aumento de 55% na taxa de suicídios, entre jovens de 10 a 19 anos. Com a pandemia esse dado pode ter aumentado e muito. Segundo a Organização Pan-americana da Saúde, o suicídio é a terceira principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos. A escola representa um grupo coletivo decisivo que contribui para uma maior integração entre os indivíduos e seu meio social. A partir dai, imagina-se que ela tenha alguma influência na prevenção ao suicídio juvenil.

“Além de ser extremamente traumático para toda a comunidade escolar, esse tipo de episódio é difícil de lidar, especialmente devido à falta de informação sobre o tema. O papel da escola frente ao sofrimento mental é o de destinatário. A instituição escolar não deve ocupar um lugar de diagnóstico e nem de juiz. Ainda assim, pode garantir enormes benefícios para seus alunos e educadores se fomentar a criação de espaços seguros de fala e escuta”, finaliza Joana London.