Dia Mundial do Rim traz um alerta sobre a doença renal crônica, que no Brasil impacta cerca de 10 milhões de pessoas. Desde o início da pandemia, número de transplantes de rim teve uma redução de cerca de 50%
O Dia Mundial do Rim, comemorado anualmente na segunda quinta-feira do mês de março — dia 10, em 2022 -, foi instituído pela Sociedade Internacional de Nefrologia (ISN), com o propósito orientar e conscientizar as pessoas sobre a doença renal crônica (DRC). Neste ano, a data ganha mais relevância pois, em decorrência da pandemia, o número de transplantes caiu e fez aumentar a lista de pessoas que esperam por uma doação de rim. O transplante renal é uma abordagem terapêutica indicada para a maioria das pessoas com doença renal crônica avançada, nos quais os pacientes dependem ou logo dependerão de terapia renal substitutiva, como hemodiálise ou diálise peritoneal.
A doença renal crônica leva a uma redução da capacidade dos rins em eliminar resíduos e o excesso de água do organismo, e pode ser classificada em seis estágios a depender da quantidade de perda da função renal. Na maior parte do tempo, a doença é assintomática, o que faz com que o diagnóstico seja tardio – na fase em que o paciente já precise iniciar a terapia renal substitutiva, ou seja, diálise ou transplante.
Dados publicados pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) mostram que, desde o início da pandemia do novo Coronavírus, houve uma queda nas taxas de doação de órgãos e, consequentemente, no número de transplantes renais, que passaram de 6.296 em 2019, para 4.821 em 2020 e 3.304 em 2021 – uma redução de quase 50%.
Fatores que contribuíram para queda do número de transplantes de rim durante a pandemia foram a diminuição do número de doadores falecidos, bem como diminuição do número de transplantes com doador vivo, uma vez que receptores e doadores cumpriram as normas de isolamento social proposto para evitar a propagação da Covid-19.
Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, a estimativa é de que em 2040 a doença renal crônica será a 5ª maior causa de morte no mundo. No Brasil, a estimativa é de que mais de 10 milhões de pessoas tenham a doença renal crônica; desses, 90 mil estão em diálise, procedimento que substitui artificialmente a função dos rins e é geralmente indicado quando a capacidade de funcionamento dos órgãos é igual ou inferior a 10% do considerado normal.
Com o objetivo de esclarecer as principais dúvidas sobre o transplante renal e incentivar a conscientização e o diálogo aberto sobre o tema, as doutoras Vivian Onusic e Patrícia Soares, nefrologistas do Hospital Santa Catarina — Paulista, respondem:
Quais são os tipos de doadores renais?
Os doadores de rim podem ser falecidos ou vivos. O doador vivo pode ser algum parente (mãe, pai, irmão, tio, avô ou primo), mas qualquer pessoa que tenha um laço afetivo com o receptor pode se dispor voluntariamente a ser doador. Neste caso, há necessidade de autorização judicial, ocasião em que o juiz irá atestar o altruísmo da doação. No Brasil, a compra e venda de órgãos é crime. O doador em vida precisa ter mais que 25 anos e, obrigatoriamente, passar por criteriosa avaliação médica para avaliar seu estado de saúde – diminuindo, assim, os riscos para ele e para o receptor. Enquanto isso, o doador falecido é a pessoa que, em vida, expressou seu desejo de doar os órgãos em caso de alguma fatalidade que teve como consequência o quadro de morte encefálica, no qual os órgãos ainda estão em funcionamento apesar da lesão cerebral irreversível. Existem protocolos nacionais e internacionais bem definidos para se diagnosticar a morte encefálica, incluindo a avaliação do potencial doador por equipes médicas distintas num intervalo de 12 horas.
Qual é o melhor momento para a realização do transplante renal?
O melhor momento é antes do início da diálise, chamado de transplante preemptivo, que tem maiores chances de ocorrer quando o paciente tem um doador vivo, pois a cirurgia pode ser agendada sem a necessidade de aguardar o óbito de um possível doador desconhecido. Nesse caso ideal, o receptor passa por avaliação médica a fim de assegurar que está saudável o suficiente para ser submetido à operação (casos de câncer ou infecção ativos, por exemplo, eliminam a possibilidade da cirurgia).
O receptor precisa seguir uma dieta especial?
Em geral, os receptores de transplante renal devem seguir uma dieta saudável, com pouca gordura e pouco sal, acompanhada de uma quantidade de líquidos adequada ao respectivo funcionamento renal. Em caso de diabetes ou outros problemas de saúde, há necessidade de algumas restrições alimentares.
Preciso ser vacinado para COVID-19 antes de ser submetido a um transplante renal?
Sim, a vacinação contra o coronavírus antes do transplante é altamente indicada, visto que a infecção por Covid-19 após o procedimento tende a ser mais grave em virtude do uso dos imunossupressores, necessários para evitar a rejeição do órgão transplantado. Além da vacina contra o coronavírus, o receptor para transplante de rim também deve ser vacinado contra outras doenças, tais como: tétano, difteria, hepatite B, H1N1, febre amarela, pneumococo e meningococo.
Como fica a vida de um doador de rim após a cirurgia?
Após a cirurgia de remoção do rim, que ocorre no mesmo dia do transplante, o doador de rim em vida precisará de algum tempo para recuperação antes de retornar às atividades cotidianas. No entanto, os avanços recentes na cirurgia – muitas vezes chamada cirurgia minimamente invasiva ou laparoscópica – permitem incisões muito pequenas; isso significa menor tempo de recuperação e permanência no hospital, menos dor e um retorno mais rápido às atividades normais. O doador deverá passar por consultas médicas anuais para verificar se sua saúde, e a do seu rim, estão em dia.
Vou precisar de diálise após o transplante renal?
Depende. No caso de transplante com doador falecido, o enxerto renal pode demorar alguns dias a funcionar, visto que ficou algumas horas fora do organismo – acarretando a necessidade de diálise; já no caso de transplante com doador vivo, a necessidade do procedimento é muito pequena.
Como será a vida do receptor após o transplante renal?
Após alta hospitalar, o paciente deverá realizar acompanhamento médico com exames regulares, principalmente durante o primeiro ano. O médico precisa ter certeza do bom funcionamento renal e de que os níveis dos imunossupressores no sangue estejam adequados – de modo a evitar rejeições. Gradualmente, a vida do paciente vai voltando ao normal, com menos idas ao hospital, mas o uso das medicações imunossupressoras deverá ser contínuo e prescrito pelo médico do transplante.
Quando o paciente pode voltar ao trabalho?
O prazo para o paciente retornar ao trabalho depende de sua recuperação, do tipo de trabalho e de como vão as outras condições médicas. Muitas pessoas podem voltar a trabalhar cerca de 3 meses após o transplante, mas essa decisão é tomada em conjunto com a equipe médica.
E se o organismo tentar rejeitar um novo rim?
A incidência de rejeição aguda no primeiro ano pós transplante é em torno de 10%, a depender do centro transplantador e do risco imunológico do receptor. Embora a incidência de rejeição seja maior no primeiro ano, tal evento pode acontecer a qualquer momento após o transplante renal. Um episódio de rejeição pode não apresentar sinais ou sintomas claros, por isso é tão importante fazer exames de sangue regulares para verificar o funcionamento do rim. Em caso de suspeita de rejeição, um dos exames a ser realizado é a biópsia do rim transplantado: após análise do fragmento por meio do microscópio, avalia-se a gravidade da rejeição e, baseado nisso, decide-se sobre o melhor tratamento.