Membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) faz um alerta sobre o uso de vapes
Aspecto moderno, cores vivas e sabores artificiais para conquistar consumidores, essa é a proposta dos “vapes”. O dispositivo tem ganhado novos adeptos desde o início da pandemia, em 2020, principalmente entre os jovens que viram os cigarros eletrônicos virarem febre no TikTok.
Um estudo realizado na University of Southern California mostra que o tabagismo passivo ao cigarro eletrônico aumentou o risco de sintomas de bronquite em 40%, e falta de ar em 53% entre adultos jovens. Recentemente, representantes de quase 50 entidades médicas brasileiras divulgaram um documento para alertar sobre os problemas de saúde secundários ao uso dos “vapes”.
Também no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou um relatório onde mantém a proibição da venda dos dispositivos eletrônicos fumáveis (DEFs). Para o Dr. Gleison Guimarães, membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a importância de se manter a proibição desses produtos se baseia também no fato de que os cigarros eletrônicos não podem reverter décadas de esforços da política de controle ao tabaco em nosso país.
“Estudos científicos mostram que o uso dos DEFs, tanto agudo como crônico, está diretamente ligado ao surgimento de várias doenças respiratórias e orais, gastrointestinais, entre outras, além de causar dependência e estimular o uso dos cigarros convencionais. Os fumantes de cigarro eletrônico têm de duas a quatro vezes mais chances de virarem fumantes de cigarros convencionais no futuro. Além disso, o dispositivo também aumenta em cinco vezes a chance de jovens ou adolescentes se tornarem usuários de maconha”, pontua o médico especialista em pneumologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Dr. Gleison complementa que, ao contrário do que muitos acreditam, o aerossol não é um vapor de água. “Existem cerca de 2.000 produtos químicos que são inalados com o uso dos DEFs, mas a maioria é ignorada”, alerta.
Apesar de ser utilizado em outros países como alternativa para o abandono do cigarro convencional, muitos jovens que nunca fumaram passaram a usá-lo. Com isso, estabeleceram uma dependência química, física e emocional com o produto.
No entanto, alguns governos, como o da Austrália, já estão enxergando os riscos na prática. Em maio deste ano, o país baniu a importação e venda de todos os cigarros eletrônicos, independentemente de serem rotulados como contendo nicotina ou não. O mesmo só é liberado se for fornecido com prescrição por um farmacêutico licenciado. O movimento também inclui a proibição de todos os vapes descartáveis de uso único, restrições aos sabores, mudança para embalagens simples, redução na concentração e volume de nicotina permitidos nos dispositivos.
Para o pneumologista, iniciativas como essa são extremamente importantes, já que o consumo por adolescentes aumentou depois de 2018 e se intensificou na pandemia.
“Isso aconteceu, principalmente porque começaram a usar o sal de nicotina no vape, que induz muito mais a dependência, ao invés da nicotina livre. Outro ponto foram os dispositivos com alta carga de nicotina, que conquistam cada vez mais usuários. Alguns chegam a ter o equivalente a 100 cigarros. E reconhecemos que quanto maior a dose, maior é a dependência. O uso de sabores adocicados e o marketing em redes sociais também aumenta o apelo para adolescentes”, comenta o médico ao relatar o caso de um paciente que, recentemente, o impactou negativamente.
“Ele tem 16 anos e veio com a mãe para o nosso encontro terapêutico. Vinha fumando DEF há pouco mais de cinco meses e durante a nossa conversa, apresentava um tremor de mãos, as unhas roídas e seguia levando os dedos à boca. Tinha pensamento acelerado e era extremamente ansioso. Reclamava que não conseguia assistir as aulas continuamente, porque precisava resolver a fissura que vinha com força. Ele chegou a usar uma média de 40mg de nicotina por dia, o que podemos comparar a carga de 40 cigarros tradicionais. Estava em contemplação e rapidamente passamos para as fases seguintes da mudança de comportamento. Iniciamos com medicação oral de controle, nicotina em goma e em adesivo sobre a pele, até a última vez que nos falamos mês passado, já sem medicações há mais de três meses”, conta o médico que se mostra incomodado com a situação.
“Impressiona-me o vulto e a gravidade da dependência que tenho visto. Teremos sérios problemas de saúde e muitos casos de EVALI – a lesão pulmonar induzida pelos e-cigarros -, e doença pulmonar bilateral”, finaliza.
Gleison Guimarães: Médico especialista em Pneumologia pela UFRJ e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Especialista em Medicina do Sono pela Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS). Especialista em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Certificado de área de atuação em Medicina do Sono pela SBPT/AMB/CFM. Mestre em Clínica Médica/Pneumologia pela UFRJ. Membro da American Academy of Sleep Medicine (AASM) e da European Respiratory Society (ERS). Diretor do Instituto do Sono de Macaé – Dr. Gleison Guimarães: Clínica de Medicina Respiratória e Vacinas. Presidente do Departamento de Distúrbios do Sono da SBPT (2013/2014). Presidente da Comissão de Distúrbios Respiratórios do Sono da SOPTERJ (2014/2015). Atuou como coordenador de Políticas Públicas sobre Drogas no município de Macaé (2013) e pela Fundação Educacional de Macaé (Funemac), gestora da Cidade Universitária (FeMASS, UFF, UFRJ e UERJ) até 2016. Pneumologista do ambulatório do Centro de Especialidades Dona Alba Corral (Macaé-RJ). Professor assistente de Pneumologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Campus Macaé desde 2013.