Dia 7 de abril é o Dia Mundial da Saúde e trazemos uma entrevista com o médico cirurgião Cid Pitombo, que já realizou mais de 5 mil cirurgias bariátricas em portadores de obesidade mórbida, entre elas dos atores Leandro Hassum e André Marques, para falar de um assunto que ainda traz muitas dúvidas: é possível manter uma vida longeva e saudável estando muito acima do peso considerado ideal pela medicina? Bariátrica é uma opção para quem? Como é a cirurgia? Confira abaixo:

1 — A obesidade é uma pandemia no mundo e no Brasil?

Dr Cid Pitombo – O Atlas Mundial da Obesidade 2022, publicado pela Federação Mundial da Obesidade, prevê que um bilhão de pessoas em todo o mundo, incluindo uma em cada cinco mulheres e um em cada sete homens, estarão vivendo com obesidade até 2030. No Brasil, de acordo com o Vigitel 2020, 57,5% da população adulta do Brasil está com excesso de peso (era 55,7% em 2019) e 21,5% da população está com obesidade (era 19,8% em 2019).

2 – Quem pode ser considerado obeso e quem pode se candidatar à cirurgia bariátrica?

Dr Cid Pitombo – Na rede particular, obesos com índice de massa corporal (IMC) superior a 40 kg/ m², com mais de 16 anos e que não tenham alto risco cirúrgico ou patologias graves associadas ou problemas psiquiátricos graves, como uma demência, podem operar. Por exemplo, uma pessoa com 132 quilos (kg) e 1,62 metros (m) tem IMC de 50. Assim como uma pessoa de 148 quilos e 1,72 m. Já uma pessoa com 1,62m tem IMC 40 ao atingir 105 quilos e uma com 1,72m, ao ter 118 quilos. Elas podem fazer uma cirurgia.

E pessoas com IMC entre 35 e 40 kg/m2 (por exemplo, com 93 kg e 1,62m e 103kg e 1,72m) e que apresentam doenças associadas à obesidade (comorbidades), também podem ser operadas, se estiverem dentro dos critérios necessários.

3 — Quando o obeso pode pensar em operar?

Dr Cid Pitombo – Quando não consegue usar outros métodos como dieta e remédios a ponto de perder o peso necessário. A cirurgia bariátrica tem sido muito procurada por conta do aprimoramento das técnicas, com a consequente diminuição dos riscos, como o uso de videolaparoscopia, por exemplo, que permite ao cirurgião operar fazendo apenas pequenos cortes na barriga e internamente. O médico visualiza a parte interna do abdômen por meio de uma câmera colocada dentro da barriga, por isso não precisa mais abrir todo o abdômen, como antigamente. Além disso, pinças e ferramentas de corte, grampos e suturas tornaram o procedimento mais rápido e simples. E, consequentemente, a recuperação do paciente no pós-operatório é muito mais rápida e segura.

4 — Todo obeso pode operar?

Dr Cid Pitombo – É importante que os obesos entendam que somente a presença de outros problemas não é indicação absoluta para a cirurgia, devendo cada caso ser analisado, levando-se em conta o tempo que está com a doença, a gravidade, a resposta ao tratamento e o IMC do paciente. A cirurgia é simples, em apenas meia hora a 40 minutos fazemos o procedimento, mas é uma cirurgia, não se pode banalizar. Estudamos cada paciente a fundo para ter a certeza de que a bariátrica é a melhor solução. Temos que avaliar a capacidade cardiopulmonar, verificar se não há doença vascular sobretudo dos membros inferiores, tem que haver controle máximo da glicemia e o psicológico tem que estar bem controlado. O paciente precisa estar preparado para as restrições da dieta pós-operatória, por exemplo. Ele tem que estar disposto a mudar bastante seus hábitos, principalmente no início. Até mesmo a mobilidade influencia. Temos que avaliar em que estado o paciente encontra-se. Muitos precisam emagrecer para operar.

5 – E como é o pós operatório?

Dr Cid Pitombo – Após a alta hospitalar, o paciente segue seu acompanhamento ambulatorial, com a mesma equipe multidisciplinar. É de fundamental importância o cuidado com a dieta — adaptada a cada técnica cirúrgica utilizada — e a sua progressão com o passar do tempo. Inicialmente o paciente ingere somente pequenas quantidades de líquidos, com o tempo a dieta evolui com relação à consistência e volume.

O acompanhamento das patologias coexistentes permite a adequação das medicações em uso e a eventual suspensão das mesmas (total ou parcialmente)..Avaliações laboratoriais periódicas são realizadas a fim de se diagnosticar precocemente os possíveis distúrbios nutricionais associados principalmente às técnicas mistas, e assim tratá-los precocemente. E o apoio psicológico também é de fundamental importância. Assim, o paciente inicia uma longa caminhada tendo ao lado vários profissionais que o acompanharão. A cirurgia não é o fim, mas sim o início do tratamento.

6 — Quais são os benefícios da cirurgia bariátrica?

Dr Cid Pitombo – São diversos, como: melhoria da saúde cardiovascular, diminuindo o risco de doença coronariana, acidente vascular cerebral e doença cardíaca periférica, com redução da pressão arterial e dos níveis de colesterol. Remissão a longo prazo para diabetes tipo 2 em obesos; Alívio da depressão, eliminar a apneia obstrutiva do sono; alívio da dor nas articulações; melhora a fertilidade; alivio de outras condições médicas, como a síndrome metabólica; reduz riscos de complicações na gravidez e de doença da vesícula biliar e muito mais.

7 — Só engorda muito, quem come demais?

Dr Cid Pitombo – O acúmulo de gordura no organismo não é resultado apenas de má alimentação, e vem de uma combinação genética que faz com que alguns retenham mais gorduras do que outros. Mas o prazer de se alimentar bem deve entrar na rotina de todos desde criança para virar hábito, lembrando que boa comida é arroz, feijão, legumes, verduras e frutas.

8 – O Brasil está entre os países com mais pessoas obesas. Como o senhor avalia o volume de cirurgias bariátricas realizadas no Brasil com relação a outros países?

Dr Cid Pitombo – O Brasil está entre os países que mais opera no mundo, mas na medicina privada. O volume de cirurgias é bem grande, mas não atinge o sistema público como um todo. Há vários estados que não ofertam bariátricas pelo SUS. É uma população que sofre com a má alimentação e não consegue se tratar.

9 — O senhor acha que ainda existe preconceito ou desconhecimento quanto aos alimentos que um bariatriacado pode ingerir?

Dr Cid Pitombo – Quando bem operado, bem indicado, a alimentação do bariatricado não tem muitas restrições. O volume de alimentos que passa a ingerir é menor sim, mas nada tão restritivo. Gradativamente, quem opera vai aumentando a quantidade de comida até o limite considerado normal. Meus pacientes comem mais ou menos a mesma quantidade do que eu que nunca operei.

10 – E quanto à cirurgia em si, os métodos e a recuperação pós cirurgia, o medo ainda afasta pacientes?

Dr Cid Pitombo – A bariátrica foi autorizada há 30 anos. O by pass, a gastroplastia, é a técnica padrão ouro, que traz melhor resultado, e é muito bem estabelecida. Nós pegamos apenas uma parte do estomago e mantemos funcionando ligada diretamente ao duodeno. O restante continua no corpo da pessoa. Essa técnica, feita por um cirurgião bem treinado é muito segura, com excelentes resultados e é a menos invasiva, sobretudo combinada com videolaparoscopia. Outra grande vantagem do by pass é que é reversível. O receio hoje é muito menor que há 22 anos quando comecei.

11 – É possível um obeso mórbido emagrecer sozinho, apenas com exercícios e dieta? Qual a chance de isso dar certo?

Dr Cid Pitombo – É possível, mas todos os trabalhos mostram que não passam de 10% os que conseguem emagrecer e ainda depois manter o baixo peso o um percentual é menor ainda. Não há tanta longevidade nessa perda de peso. Quando fazemos a bariátrica, reduzimos a absorção de alimentos, e também provocamos alteração nos hormônios que estão relacionado à fome e saciedade. Fica muito mais fácil emagrecer.

12 — Como equipes multidisciplinares atuam para melhorar a saúde mental do obeso? É possível controlar uma compulsão antes de uma cirurgia?

Dr Cid Pitombo – O paciente precisa ter compreensão das mudanças. Uma avaliação psicológica é um dos fundamentos que pode até contraindicar uma cirurgia. Em alguns casos é possível reverter essa dificuldade. Mas dependendo da saúde mental, a cirurgia pode não ser realizada.

13 — Todas as pessoas engordam porque ingerem muito mais calorias do que gastam? Ou há casos de pessoas que comeram pouco e também se tornaram obesas mórbidas?

Dr Cid Pitombo – O pior estigma é achar que todo gordo se entope de comida. Esse é um dos grandes mitos com relação à caloria. Não dá apenas para se relacionar o quanto se come e quanto se gasta. Na academia, afirma-se: vai correr x minutos, na velocidade z e vai gastar z de calorias na esteira. Mas não é bem assim. Gasto calórico é muito complexo. Não existe essa conta. Isso não existe na medicina. Cada organismo tem a sua genética que determina que a caloria ingerida se acumula mais em gordura. Pessoas que comendo a mesma quantidade de comida, a mesma comida, engordam de forma diferente, mostrando claramente que a absorção é diferente.

14 — Por que é tão difícil para a maioria deixar de ingerir alimentos calóricos?

Dr Cid Pitombo – Os alimentos calóricos são os mais gostosos. Mas não colocar isso na sua alimentação é uma questão de hábito. Meus filhos desde cedo não receberam alimentos calóricos, como biscoitos recheados, pizzas, hamburgueres, doces e hoje eles não gostam. E eles sentem prazer com alimentos mais saudáveis. É hábito.

15 — Entre as diversas doenças que acometem obesos, quais são as que possuem maior incidência e trazem mais risco de vida?

Dr Cid Pitombo – Estaticamente o obeso tem tendência a ter mais doenças cardiovasculares, diabetes e hipertensão arterial. Mas há dezenas de outras doenças que podem acometer o obeso, entra eles o câncer.

16 — Quais os problemas que envolvem a vida de um obeso mórbido? E qual o senhor acha que traz mais dificuldades no dia a dia?

Dr Cid Pitombo – O dia a dia prejudica hábitos de higiene íntima, entrar num ônibus, passar numa roleta, viajar num avião, não achar roupas adequadas, não se relacionar com as pessoas. Vários não conseguem emprego. Muitos acabam completamente deprimidos.

17 — Como são as restrições alimentícias de um bariatricado? Ele voltará a poder se alimentar normalmente como todas as pessoas e até uma vez ou outra cometer algum excesso?

Dr Cid Pitombo – No início ingere mais líquido, depois vai entrando a comida cada vez mais sólida até que fica absolutamente normal. O paciente nem é percebido como operado. Dependendo da técnica, no máximo vai tomar vitamina extra.

18- Quais os métodos de bariátricas mais crescem? Há novidades e novas tecnologias sendo aplicadas?

Dr Cid Pitombo – Não há novas tecnologias e peço que tomem cuidado com procedimentos endoscópicos sem critério. Tome muito cuidado com técnicas não autorizadas, busque profissional qualificado autorizado pelo Conselho Federal Medicina.

Dez coisas que você precisa saber sobre a obesidade

1 – Tratar a obesidade não significa buscar um corpo mais bonito. Busca-se acima de tudo, um corpo saudável nos mais variados aspectos físicos e mentais.

2 – A obesidade é uma doença crônica, ou seja, ela vai se instalando aos poucos. Um jovem muito acima do peso pode não ter ainda descontrole de taxas como glicose, colesterol ou triglicerídeos, mas as chances de ter problemas com a idade mais avançada são maiores do que as de pessoas com peso controlado. Pode ser que ele nunca adoeça, mas diante do risco o ideal é buscar meios de perder o peso acumulado em excesso.

3 – Existem ao menos 15 tipos de doenças ligadas à obesidade, que podem afetar diversas partes do corpo: artérias, veias, fígado, pâncreas, coração, aparelho respiratório, rins, pele, vesícula, ossos, ovários, próstata, articulações, cérebro, intestino, esôfago, entre outras.

4 – Algumas pessoas ganham muito peso em pouco tempo, mas a maioria vai acumulando a gordura aos poucos, ao longo dos anos. A prevenção à obesidade, com uma alimentação saudável e prática constante de exercícios, portanto, precisa começar desde a infância, pois se uma pessoa ganha um quilo a mais do que deveria por ano, em 50 anos de vida, ela terá 50 quilos a mais.

5 – Nem todas as pessoas ganham mais peso, ou seja, acumulam mais gordura no corpo, porque comem muito mais alimentos calóricos e ricos em gorduras e carboidratos. Há pessoas que comendo o mesmo que outras engordam mais. Essa diferença se dá pela genética. Ou seja, há genes que atuam de forma diferente em cada organismo. Por isso, desde criança, é preciso ficar de olho na tendência familiar e no ganho de peso da pessoa. Se ela acumular mais, terá que se alimentar ainda melhor, diminuindo seus alimentos calóricos e aumentando os exercícios.

6 – Quanto mais peso se acumula, mais difícil é perdê-los. E chega um ponto em que até mesmo uma cirurgia bariátrica fica difícil de ser realizada, se a pessoa está com um peso muito alto. Muitas pessoas com obesidade em grau 3, com Índice de Massa Corpórea, o IMC, acima de 50, precisam fazer dietas para perder de 10% a 20% do peso corporal para conseguir operar. Portanto, uma reeducação alimentar e a mudança nos hábitos de vida, incluindo ao menos uma caminhada, devem ser feitas por todas as pessoas.

7 – Problemas emocionais, como a ansiedade, podem afetar o apetite de diferentes formas: alguns perdem o apetite e outras ficam com mais fome. Por isso, cuidar da mente é fundamental para prevenir a obesidade. A parte boa é que exercícios físicos ajudam tanto no gasto calórico, quanto na melhor oxigenação do cérebro, ajudando a reduzir os distúrbios emocionais.

8 – A obesidade é diagnosticada através do cálculo do Índice de Massa Corpórea (IMC). Ele é feito da seguinte forma: divide-se o peso (em Kg) do paciente pela sua altura (em metros) elevada ao quadrado. De acordo com este padrão, utilizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), quando o resultado fica entre 18,5 e 24,9 kg/m2, o peso é considerado normal. Entre 25,0 e 29,9 kg/m2, sobrepeso, e acima deste valor, a pessoa é considerada obesa. Conforme o IMC, classifica-se o grau de obesidade em: obesidade leve (classe 1 — IMC 30 a 34,9 kg/m2), moderada (classe 2 — IMC 35 a 39,9 kg/m2) e grave ou mórbida (classe 3 — IMC ≥ 40 kg/m2). Essa classificação é importante na escolha do tipo de tratamento, quando deve ser clínico ou cirúrgico. Para o tratamento da obesidade são avaliados fatores de risco e outras doenças para determinar se há a necessidade de uso de medicamentos já em pacientes com sobrepeso.

9 – A obesidade muitas vezes também pode acarretar o desenvolvimento de ansiedade e depressão. Muitas pessoas sofrem com gordofobia, são atacadas e criticadas por serem obesas, e há ainda preconceito no ambiente de trabalho (muitos não conseguem emprego). Buscar ajuda psicológica profissional é fundamental para obter sucesso no tratamento.

10 – A obesidade pode prejudicar a vida sexual e a capacidade reprodutiva de homens e mulheres. No homem, devido à redução da testosterona, pode reduzir a libido e levar a dificuldade de ereção. Já nas mulheres, pode ocorrer redução dos níveis de hormônio feminino e aumento no nível dos hormônios masculinos. As mulheres podem apresentar aumento de pelos, irregularidade menstrual e infertilidade. A síndrome do ovário policístico também é relacionada ao aumento de peso. Mas as chances de todos esses problemas se resolverem, com uma perda de peso na ordem de 10%, são bem grandes.

Perfil do especialista – O médico Cid Pitombo é especialista em tratamentos de obesidade e cirurgia bariátrica por videolaparoscopia, tendo se tornado referência nacional em seu segmento de atuação, com 30 anos de experiência, sendo 22 com bariátricas. Ao longo de sua carreira, realizou cerca de 5,5 mil cirurgias. Entre elas, 3,5 mil foram pelo Programa Estadual de Cirurgia Bariátrica do Estado do Rio de Janeiro entre 2010 e 2020, coordenado pelo médico. É proprietário da Clínica Cid Pitombo, onde realiza atendimento multidisciplinar para tratamento de obesidade, com acompanhamento psicológico e nutricional para cerca de 100 pacientes por mês, de todo o Brasil. Tornou-se ainda mais conhecido ao operar os atores André Marques e Leandro Hassum, que contribuíram fortemente para disseminar a importância da cirurgia bariátrica. Tem mestrado e doutorado em temas ligados à obesidade e é editor do livro Obesity Surgery: Principles and Practice. Mais informações podem ser obtidas pelo site da clínica.