Murilo Rezende dos Santos

A covid-19 é uma terceira modalidade de coronavírus, da classe SARS (com capacidade de transmissão entre humanos). Ao que se tem observado, ela desencadeia uma doença infecciosa, que atinge especialmente o aparelho respiratório. E dependendo da carga viral contraída e da capacidade individual do sistema imunológico, pode provocar desde um resfriado até pneumonia, com grave insuficiência respiratória e um conjunto de complicações inflamatórias que, transcendendo aos pulmões, pode atingir todos os órgãos do ser humano, levando ao óbito.

Consta que a doença teve origem na China, na cidade de Wuhan, em meados de novembro/2019 e rapidamente se espalhou pelo mundo, provocando o desastre na saúde que todos temos presenciado. As estatísticas (até o momento do presente artigo) apontam cerca de 4,31 milhões de infectados e de mais de 294 mil mortes.

A pandemia assim reconhecida pela OMS – Organização Mundial da Saúde levou o Brasil a decretar estado de emergência de saúde pública, o que tem levado a isolamentos obrigatório da população, com paralisação nas atividades em geral e de graves repercussões econômicas, cujo dimensionamento ainda não é possível fazer.

Nesses tempos de “quarentena”, tudo teve de mudar e se adaptar. Compras passaram a ser na maioria on-line, trabalho em casa por home office etc. E apesar de tudo, bem ou mal, a vida continuou.

E se a vida continuou continuaram também os problemas, as controvérsias e os litígios. Daí, ainda que com adaptações, passaram a funcionar também os órgãos de segurança (polícia, etc.) e o Poder Judiciário.

A Justiça, como se tem dito, é bem essencial à paz social e não pode fechar suas portas, mesmo com uma grave pandemia.

Foi necessário que os Tribunais rapidamente organizassem o trabalho remoto, estabelecendo plantões, audiências por teleconferências, julgamentos virtuais, enfim, propiciando uma forma de garantir, dentro das possibilidades do momento, o máximo de atendimento ao cidadão.

Ainda que não seja perfeito, por causa das óbvias limitações, o resultado até surpreende. O Tribunal de Justiça de São Paulo acaba de publicar que, do dia 16 de março até 10 de maio/2020, servidoras, servidores, magistradas e magistrados já praticam quase 4.000.000 (quatro milhões) de atos processuais, aí computados sentenças, decisões, despachos e acórdãos, sendo 1º grau: 470.595 sentenças; 1.963.407 decisões interlocutórias; 1.251.744 despachos; 2º grau: 123.674 acórdãos; 12.946 decisões monocráticas; 139.598 despachos.

É de se louvar o trabalho, que de certa forma serve para consolidar a realidade dos novos tempos. Gostemos ou não, o mundo atual tem pressa. Como diz Gilles Lipovetsky no seu livro Os tempos Hipermodernos, vivemos uma perene luta de tempo contra o tempo, ou como diz ele: “Já não se trata de sair do mundo da tradição para ascender à racionalidade moderna, mas modernizar a própria modernidade, racionalizar a racionalização, ou seja, destruir, de fato, os ‘arcaísmos’ e as rotinas burocráticas”, porque “na hipermodernidade, já não há escolha, não há outra alternativa para evoluir, acelerar a mobilidade para não ser ultrapassado pela evolução”.

Considerando-se que, no âmbito dos direitos do consumidor, a União Europeia criou uma plataforma chamada “Online dispute resolution”, através da qual grande parte das reclamações são resolvidas fora do Judiciário, já era mesmo hora de a própria Justiça fazer também a sua revolução.

Nessa nova ordem do tempo, como diz Lipovetsky: “Prever, antecipar, projetar, prevenir, é uma consciência que lança permanentemente pontes para o amanhã e para o depois de amanhã que toma conta das nossas vidas individualizadas”.

Murilo Rezende dos Santos é doutor em Direito Civil pela USP e coordenador adjunto do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.Área de anexos