Fábio Calzavara*

A pandemia causada pela Covid-19 nos agrediu. Colocando à parte todas as questões sanitárias e humanitárias, ela mudou a forma como nos relacionamos com o trabalho, as pessoas, os produtos e os serviços que consumimos. Trouxe-nos inúmeras perdas, ao mesmo tempo em que é apontada como a mola propulsora de inovações, como a adoção do home office e da teleconsulta médica. Avanços inegáveis e mudanças de comportamento, sim. Mas não tivemos uma mudança estrutural na forma como nos relacionamos com a saúde; tivemos apenas um primeiro passo, um vislumbre de algumas tendências futuras que irão se desenvolver na próxima década.

Ao longo da minha carreira como especialista em inovação e do trabalho que venho realizando na área da Saúde Suplementar, pude observar algumas movimentações que indicam o cenário futuro em que viveremos. Nos próximos dez anos, veremos os serviços de saúde se desenvolvendo sob três aspectos (ou tendências, se assim preferirmos).

1. INFORMAÇÃO NA PONTA DOS DEDOS

A exemplo do que aconteceu no setor bancário, durante a última década, os usuários dos sistemas de saúde serão mais autônomos, com maior controle sobre seus dados. Os dados fisiológicos e os prontuários não estarão sob o controle de hospitais ou das operadoras de saúde: as pessoas terão domínio das suas próprias informações e, por consequência, autonomia para tomar suas decisões. Cada indivíduo terá acesso a seus próprios dados e capacidade tecnológica para processá-los, seja em seus smartphones, seja em suas contas de armazenamento na nuvem.

Além das formas tradicionais de coleta de dados (exames, consultas), teremos a captação constante ao longo de toda a jornada do paciente: fora os dados individuais (como genéticos, comportamentais e fisiológicos), também teremos dados referentes às interações sociais, ao ambiente e ao ecossistema como um todo. 

Com isso, deixaremos os registros médicos de lado para administrarmos APIs pessoais. Se precisarmos de uma consulta ou de um pronto atendimento, daremos ao corpo clínico acesso às nossas APIs e pronto.

A análise de sintomas passará a ser uma análise de dados: antes de nos queixarmos de “dor de garganta” ou “indisposição”, teremos nosso banco de dados pessoais sendo analisado para saber o que, de fato, está errado, se existem condições clinicamente silenciosas ou sintomas somáticos, e, assim, atacarmos a raiz do problema. Teremos nossos dados organizados em um dashboard fisiológico, um big data pessoal. Mas, aí, surge a pergunta: o que fazer com esses dados?

2. CUIDADO ONIPRESENTE
O monitoramento constante dos dados deixará as fronteiras entre hábitos saudáveis, Medicina preventiva e Medicina assistencial embaçadas. A distância entre a natureza dessas atividades será reduzida e veremos um movimento de exportação da estrutura operacional do físico para o digital: a tecnologia permitirá que exames, terapias e consultas não sejam realizadas apenas em hospitais ou laboratórios, mas em praticamente qualquer ambiente, seja por celular, seja por computador pessoal.

O exemplo mais atual é o da teleconsulta. A portaria editada pelo governo federal, neste ano, implicou movimentações rápidas de hospitais e operadoras de saúde para disponibilizar o novo serviço. O que antes só era possível ser feito em um consultório, agora pode ser feito da sala da sua casa.

O hardware da Luminostics – futuramente, teremos a mesma condição para realização de exames (a startup Luminostics realiza testes para doenças infecciosas a partir de um hardware simples conectado no celular); acompanhamento de sinais vitais (a Binah.ai monitora cinco sinais usando a câmera do celular); terapias (estudos em universidades ao redor do mundo estão para viabilizar terapias por meio de realidade aumentada); e diversos outros procedimentos. A assistência de saúde e bem-estar será verdadeiramente 24/7: de onde estivermos, teremos cuidados preventivos, exames, consultas, terapias etc.

3. CUSTOMIZAÇÃO EM ESCALA

Estima-se que, nos últimos dois anos, foram gerados 90% dos dados de saúde produzidos em toda a história. Com uma capacidade de armazenamento e processamento cada vez maior e ao nosso alcance, será possível que todas as pessoas tenham soluções altamente customizadas e ágeis para o seu bem-estar. Uma das vertentes que guiará esse processo é a farmacogenômica, capaz de levar em conta o perfil genético, comportamental e pessoal do indivíduo ao se produzir um medicamento.

Em paralelo, veremos cada vez mais serviços digitais capazes de fazer predições de acordo com nosso perfil individual. Pesquisadores da Northeastern University desenvolveram um dispositivo capaz de antecipar, em até 1 minuto, reações agressivas decorrentes do autismo. Em outro exemplo, o app Guardian Connect monitora o índice de glicose no sangue e pode antecipar, em até 60 minutos, se os níveis ficarão excessivamente altos ou baixos.

Dentro desse universo, as possibilidades serão infinitas. A tecnologia cada vez mais acessível permite que, a qualquer momento, surjam novas soluções com um alto valor agregado para as pessoas. Criar ótimas experiências para os usuários do sistema de saúde será uma obrigação para os prestadores de serviço, e caberá a nós, profissionais da saúde, estarmos sempre atentos e investigando as novas possibilidades para construirmos o futuro que desejamos para a saúde no Brasil.

* Designer e empreendedor. Atua há mais de dez anos com projetos para inovação em negócios. Atualmente, é Head de Inovação e Design no Grupo Hapvida. Um dos cofundadores do Namoa (plataforma de ações que apoia refugiados) e do Nura Café, em Pouso Alegre/MG.