Quirino Cordeiro*

Por mais de três décadas, pacientes com transtornos mentais graves e dependência química, bem como seus familiares, viveram situação de grave desassistência em decorrência de políticas públicas equivocadas e ideológicas, que foram instituídas por antigas gestões do Governo Federal. Entre os vários erros cometidos, um dos principais foi o fechamento de leitos e hospitais psiquiátricos. Por conta disso, o Brasil conta com uma cobertura deficitária nesta modalidade assistencial.

Somando leitos em hospitais psiquiátricos e aqueles em hospitais gerais, há, no país, uma taxa menor que 0,1 leito por 1.000 habitantes. Este índice está bem abaixo da média de cobertura dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sendo reconhecidos impactos negativos para a saúde e o bem-estar da população quando tal índice fica abaixo de 0,3 por 1.000 habitantes.

Devido aos graves erros cometidos na condução das políticas públicas de saúde mental e drogas no país, os indicadores de resultados nessas áreas eram alarmantes: crescimento sustentado das taxas de suicídio nos últimos 15 anos; aumento de indivíduos com transtornos mentais graves em situação de rua; encarceramento de pacientes com transtornos mentais graves; aumento da mortalidade de tais pacientes; superlotação de serviços de Emergência, com pacientes aguardando vaga para internação; aumento do uso de drogas e dependência química no país; crescimento e expansão das “cracolândias” em grande parte das cidades brasileiras; aumento de pacientes afastados pela Previdência Social, principalmente por depressão e dependência de crack.

Buscando mudar esse cenário desolador, nos três últimos anos, o Governo Federal vem realizando uma série de ações, especialmente no que diz respeito ao fortalecimento dos hospitais psiquiátricos, tendo os reconhecido como entidades de grande importância para a oferta de tratamento integral, efetivo e humanizado para as pessoas com transtornos mentais e dependência química, contribuindo, inclusive, para o aporte de recursos financeiros a esses serviços, por meio de distintas ações em várias frentes. 

Prova disso é que, desde 2017, o Ministério da Saúde trabalha para o aporte de recursos financeiros aos hospitais psiquiátricos. Com isso, houve aumento significativo no número de emendas parlamentares destinadas a tais hospitais.

Assim, em dezembro de 2017, foi publicada a Nova Política Nacional de Saúde Mental (Resolução da Comissão Intergestores Tripartite do Sistema Único de Saúde nº 32/2017 e Portaria do Ministério da Saúde nº 3.588/2017), que incluiu os hospitais psiquiátricos como parte integrante da Rede de Atenção Psicossocial (Raps). Além disso, também foram incluídos, na Raps, os hospitais-dia e os ambulatórios, sendo que muitos desses dois serviços funcionam em hospitais psiquiátricos. Com isso, abandonou-se a ideia de rede assistencial substitutiva em favor de uma rede assistencial com serviços complementares.

Depois de quase dez anos, o valor das diárias dos hospitais psiquiátricos foi reajustado em 65% (Portaria do Ministério da Saúde nº 3.588/2017). Na sequência, também se corrigiu o valor das diárias de internações de longa duração (mais de 90 dias) (Portaria do Ministério da Saúde nº 2.434/2018). Com isso, houve um incremento no financiamento de R$ 230 milhões/ano aos hospitais psiquiátricos de todo o país.

Além disso, foi publicada a Portaria do Ministério da Saúde nº 544/2018, que passou a financiar equipes terapêuticas para ambulatórios de saúde mental. Inclusive, estas equipes podem ser instaladas em ambulatórios de hospitais psiquiátricos, o que aumenta a possibilidade de aporte de recursos financeiros para a assistência nestes hospitais.

Também foi publicada a Nota Técnica nº 103/2018, que abre a possibilidade de hospitais psiquiátricos participarem do Programa 100% SUS, do Ministério da Saúde, que aporta recursos financeiros adicionais para esses serviços. Antes disso, os hospitais psiquiátricos eram proibidos de participar deste Programa, diferentemente do que ocorria com todos os demais hospitais. Essa atitude discriminatória tinha como objetivo claro asfixiar financeiramente tais serviços.

Em abril de 2019, o Governo Federal lançou a Nova Política Nacional sobre Drogas, por meio do Decreto Presidencial nº 9.761/2019, que colocou os hospitais psiquiátricos como parte da rede assistencial aos pacientes com dependência química, passando a integrar o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). Assim, os hospitais psiquiátricos fazem parte tanto da Raps quanto do Sisnad, o que garante importante segurança jurídica para o funcionamento deles.

Pouco tempo depois, em junho de 2019, foi sancionada, pelo presidente da República, a Nova Lei de Drogas (Lei Federal nº 13.840/2019), que incluiu, inclusive, a possibilidade de internação involuntária para dependentes químicos (ratificando o exposto na Lei Federal nº 10.216/2001) em unidades de saúde, como os hospitais psiquiátricos.

Neste momento atual de pandemia do coronavírus, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 1.393/2020, que aportou auxílio financeiro emergencial aos hospitais psiquiátricos filantrópicos, buscando ajudá-los a passar por este momento sanitário difícil. Inclusive, o Ministério da Cidadania, por meio da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (Senapred), lançou uma cartilha de orientações para auxiliar as entidades a acessarem o recurso, e também começou a credenciar hospitais psiquiátricos como Centros de Referência em Dependência Química (Ceredeq), com o objetivo de ajudar esses serviços a melhorarem sua qualidade assistencial (Portaria nº 437/2020).

Obviamente, ainda há muito que avançar para o fortalecimento dos hospitais psiquiátricos no Brasil, porém, sem dúvida alguma, o Governo Federal tem trabalhado bastante nesse sentido, atuando de maneira firme junto a gestores públicos e à Justiça contra o fechamento destes hospitais Brasil afora, tendo conseguido impedir o fechamento de vários deles em diferentes estados.

* Médico psiquiatra, ex-coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Atualmente, é secretário nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania.